Ficha do Proponente
Proponente
- Mili Bursztyn de Oliveira Santos (PPGCOM ECO UFRJ)
Minicurrículo
- Mestranda em Comunicação e Cultura na Escola de Comunicação da UFRJ (PPGCOM), graduada em Comunicação Social pela UFRJ (2008) é produtora e assistente de direção. Atuou como diretora de produção nos longas “Educação Sentimental” (2013), de Júlio Bressane e “Galáxias” (2010), de Fabiano Maciel. Foi assistente de direção da série “As grandes entrevistas do Pasquim” (2014), de André Weller. Dirigiu os curtas “Quem come um ponto aumenta o conto” (2007) e “Atención Primaria en Salud Cone Sur” (2012).
Ficha do Trabalho
Título
- O método investigativo de Henry-François Imbert
Seminário
- O comum e o cinema
Resumo
- Em No passaràn, Album Souvenir (França, 2003), Henri-Fraçois Imbert investiga, a partir da descoberta de uma série de postais, a entrada na França, em 1939, de 500 mil refugiados espanhóis fugidos de Franco. Para extrair das imagens pistas que revelem a natureza dos eventos e o destino das pessoas nelas retratadas, Imbert apresenta um método investigativo que prioriza a análise minuciosa dos postais, evidenciando a relação entre memória e história, entre a vida comum e o evento histórico.
Resumo expandido
- Em No passaràn, Album Souvenir (França, 2003), o cineasta Henri-Fraçois Imbert investiga, a partir da análise de uma série de cartões postais, o destino de 500 mil espanhóis que se refugiaram na França em 1939, após os republicanos espanhóis perderem Barcelona para as tropas franquistas. A entrada deste enorme grupo de pessoas foi registrada em fotografias impressas no formato de cartões postais. Cada cartão possui uma legenda em seu verso com uma breve descrição da cena e local da foto. Ao lado das legendas vê-se um número. A relação de Imbert com estas imagens começa quando ele, ainda criança, encontra entre os pertences de seus bisavós, que moravam em Boulou, cidade francesa na fronteira com a Espanha, seis destes postais: os de número 1, 16, 22, 23, 26 e 29. Por anos o cineasta guardou estas imagens sem saber ao certo o que representavam. Os números no verso de cada cartão sugeriam a existência de pelo menos mais 23 exemplares. Intrigado pelo mistério por trás daquelas imagens, o cineasta decide ir atrás dos postais que faltavam para completar a série.
Para o historiador Pierre Nora (1993), nenhuma época foi tão produtora de arquivos como a nossa. Se, por um lado, entendemos este processo como consequência do desenvolvimento tecnológico, que permitiu a democratização do consumo de equipamentos como câmeras fotográficas e filmadoras, por outro, não devemos descartar, ao analisar este fenômeno, uma forte preocupação do indivíduo contemporâneo com a preservação e perpetuação de suas lembranças e origens. Esta preocupação se deve, em grande parte, ao desaparecimento da memória tradicional, aquela que liga um determinado grupo. À medida que estes grupos desaparecem, nos sentimos responsáveis pela preservação de “vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos, sinais visíveis do que foi” (NORA, 1993, p. 15). Assim, quanto “menos a memória é vivida coletivamente, mais ela tem necessidade de homens particulares que fazem de si mesmo homens-memórias” (NORA, 1993, p. 18).
O longa de Imbert se insere em um contexto contemporâneo de crescente interesse por imagens de arquivo e aquilo que elas nos revelam sobre o passado. A preocupação com o que se esconde no detalhe dos registros é, segundo a historiadora Sylvie Lindeperg (2013), fundamental para a análise de documentos desta natureza. Reconstituir as circunstâncias em que os registros foram efetuados nos permite extrair da imagem novas informações que ultrapassem aquilo que elas nos dizem à primeira vista. O que difere o trabalho de Imbert de outros documentários que analisam imagens de arquivo é o seu método investigativo. Enquanto muitos diretores dão mais ênfase aos resultados alcançados a partir do estudo dos documentos, Imbert compartilha com o espectador a investigacão, bem como as frustrações e soluções que surgem no processo. Em No passaràn, Album Souvenir os resultados são secundários. O Interessante é observar como o cineasta descobre uma série de fatos e personagens relacionados de uma forma ou de outra com os eventos retratados nos postais.
Entender a origem e o significado das imagens impressas nos cartões é um exercício que exige um olhar atento aos “pormenores negligênciáveis” (GINZBURG, 2002). Propomos uma aproximação do gesto de Imbert com a noção de “paradigma indiciário” tal como colocada por Ginzburg (2002), para quem é possível identificar ao longo da história diversas técnicas de adivinhação do futuro, reconstituição do passado e até mesmo de diagnóstico de doenças baseadas na análise de detalhes “insignificantes”. Assim, ao se ater aos “pormenores negligênciáveis” dos objetos investigados, Imbert consegue extrair das imagens pistas reveladoras. O olhar que o cineasta lança sobre os postais abrem eles para novas interpretações. Este trabalho reflete a partir do filme de Imbert, como o campo do documentário tem se mostrado um lugar de investigação e articulação entre imagens de arquivo e discursos, tornando acessível a experiência de pessoas comuns.
Bibliografia
- BENJAMIN, W. Obras escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política (v. 1). São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.
GINZBURG, Carlo. Sinais, raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
LEANDRO, Anita. A história na primeira pessoa: em torno do método de Rithy Panh. In: XXIII Encontro da Compós, 2014, Belém do Pará. Anais do XXIII Encontro da Compós, 2014. v. 1. p. 10.
LINDEPERG, Sylvie. O caminho das imagens: três histórias de filmagens na primavera-verão de 1944. Revista Estudos Históricos, FGV, Rio de Janeiro. v. 26, n.51, p. 9-34, jan-jun, 2013.
LINS, Consuelo; REZENDE, Luiz Augusto; FRANÇA, Andrea. A noção de documento e a apropriação de imagens de arquivo no documentário ensaístico contemporâneo. Galáxia (PUCSP), v. 11, p. 54-67, 2011.
NORA, Pierre. Entre a memória e a história – A problemática dos lugares. Projeto História, PUC, São Paulo, v. 10, dez, 1993.