Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Sabrina Barros Ximenes (UFC)

Minicurrículo

    Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará. Formada em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Com interesse nas áreas de cinema, psicanálise, literatura e arte.

Ficha do Trabalho

Título

    Som off e imagem no filme Viajo porque preciso, volto porque te amo

Resumo

    Esse trabalho visa explorar a questão da voz off presente no universo do filme Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim Ainouz, categorizando-o como um filme-carta. O filme é todo composto por uma narrativa pessoal, ensaística, constituído por várias cartas e anotações pessoais do personagem José Renato. Pensando a relação da voz off e dos filmes-cartas e de uma perspectiva um tanto experimental nesse filme em questão, que passeia por diversos dispositivos do cinema como referências.

Resumo expandido

    Esse trabalho visa explorar a questão da voz off presente no universo do filme Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim Ainouz, categorizando-o como um filme-carta. O filme é todo composto por uma narrativa pessoal, ensaística, constituído por várias cartas e anotações pessoais do personagem José Renato, geólogo. O que de início pode parecer uma grande carta de amor à esposa que ficou e para quem ele logo anseia por retornar, durante a metade do filme percebe-se que, o que talvez fosse uma carta, é um movimento de várias catarses do personagem que sai de casa para esquecer que já não há mais casamento. A própria filmagem em road movie e as imagens de seca, sertão e isolamento traçam um comparativo entre a construção do personagem na trama com aquilo que se vê nas imagens.

    O over remete à sobreposição as imagens de vozes externas, alheias à cena, enquanto o off diz respeito as vozes que estão fora de quadro, mas pertencem ao universo sonoro da cena em questão. LINS, Consuelo. 2011, p.18

    A todo momento da narrativa, a voz é apenas a do personagem que narra, com interrupções de alguns sons externos: carro, caminhão, buzina. Não há outro personagem que narre o filme. Porém, em um momento da trama, um outro personagem aparece, através de um diálogo com o personagem principal. Esse outro que irrompe em cena é Patrícia, uma garota de 22 anos, ela é interpelada por José Renato. Faz programa para sobreviver, tem uma filha e deseja uma vida melhor para as duas, uma vida-lazer como ela própria denomina. E nesse momento, o personagem que já havia aceitado finalmente que sua história com Joana, sua esposa, já não existia, se pega questionando o quanto essa vida-lazer é algo do qual ele também deseja novamente. A narrativa então ganha um novo contorno através desse relato, ele continua sua viagem, sua catarse, mas o movimento da própria câmera para as paisagens e o novo texto é de recomeço.

    A voz não se confunde simplesmente com a fala veiculada à palavra. Já a fala encadeia os significantes em uma significação, tem um endereçamento, pois quem fala quer ser escutado e compreendido. GUIMARÃES, Dinara Machado, 2004. p. 30

    É depois desse encontro entre Patrícia e José Renato que o personagem vai ressurgindo com um novo discurso amoroso, a filmagem volta a ser como de início, a partir apenas da sua perspectiva, sem diálogos. Esse momento de fissura do filme, que nem é o exato momento de virada da história e nem o fim, assinala a própria voz off como deslocada, pois ela nem está sobreposta a imagem sem correlação com ela, e nem é uma “fala livre”, como em um documentário, mas é uma imagem de voz externa, alheia ao quadro, ao mesmo tempo que interna, pois antecipa na pergunta aquilo que será respondido por quem está dentro de cena. Funciona como um resgate da memória do José Renato, imagem e som dialogando mutuamente.

    O filme-carta, fortemente associado ao ensaio, parte do diálogo entre dimensões subjetivas e objetivas da imagem, da reflexividade intrínseca à carta, demandando uma relação direta dos cineastas com as imagens, além da liberdade de lidar com materiais heterogêneos e incorporar fluxos de imagens e consciência. MIGLIORIN, Cezar. 2014, p. 10

    Assim, o que antes só acontecia no âmbito do subjetivo do personagem, sofre interferência. Como a voz off, que segura toda a trama até então precisou dessa quebra e, acima de tudo, demonstraria talvez uma fragilidade, um buraco nesse tipo de filmagem? Pensando a questão do filme-carta e do discorrer dessa trama, em particular, o conteúdo dessa cena parece fazer parte da história pelo simples motivo do dito “vida-lazer”, já que esse puxa o fio condutor final. Seria isso possível sem essa quebra? Voz off e filme-carta andam juntos, a narrativa transcorre a partir desse fluxo interno de pensamento, mas esse terceiro personagem que irrompe em cena quebra o mesmo. É essa quebra, fundamental na trama, que diz de uma experimentação de conteúdos diversos nesse filme.

Bibliografia

    MIGLIORIN, Cezar. O ensino de cinema e a experiência do filme-carta. E-compós, Brasília, v. 17, n. 1, p. 1-16, 2014. Disponível em: . Acesso em: 10 maio de 2016.

    LINS, Consuelo. Filmar o real – Sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

    GUIMARÃES, Dinara Machado. Voz na luz. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.