Ficha do Proponente
Proponente
- Rafael de Almeida (UEG)
Minicurrículo
- Doutor em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás – UEG. Atualmente desenvolve projeto de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás – UFG.
Ficha do Trabalho
Título
- Do espectador pensativo à imagem pensativa: fotografia e filme-ensaio
Resumo
- Partimos do pressuposto que a presença da foto na tela de cinema propicia que o espectador se desvencilhe, ao menos em parte, do fluxo narrativo e permita-se pensar no cinema. Por tal perspectiva, pretendemos realizar uma análise fílmica do curta-metragem A festa e os cães (Leonardo Mouramateus, 2015) para, enfim, propor que o uso da imagem fixa no filme-ensaio, em particular, para além de reforçar a convocação de um “espectador pensativo”, é capaz de gerar uma “imagem pensativa”.
Resumo expandido
- A presença da foto na tela de cinema é capaz de gerar um efeito de suspensão no ritmo do filme. “A foto me subtrai da ficção do cinema, apesar de participar dela, apesar de aumentá-la. Criando uma distância, um outro tempo, a foto me permite pensar no cinema” (BELLOUR, 1997, p. 86). Partimos desse pressuposto para refletir sobre os possíveis desdobramentos e/ou efeitos gerados pelo uso da fotografia fixa na construção de um filme-ensaio. Por tal perspectiva, pretendemos realizar uma análise fílmica do curta-metragem A festa e os cães (Leonardo Mouramateus, 2015), para, enfim, propor que o uso da imagem fixa no filme-ensaio, em particular, para além de reforçar a convocação de um “espectador pensativo” (BELLOUR, 1997), é capaz de gerar uma “imagem pensativa” (RANCIÈRE, 2012).
Compreendemos que o cinema pode, em alguma medida, se apropriar de todas as coisas que são postas diante da câmera. Ao construir determinada narrativa, o realizador media as relações que o espectador terá com as representações das coisas do mundo, sendo capaz de propor, inclusive, que enquanto espectadores pensemos sobre essas mediações – entre outras formas, a partir dessa distância e suspensão que a fotografia fixa gera na relação que temos com o filme. Dessa maneira, consideramos que a fotografia poderia ser percebida como indício visual de um convite ao espectador para exercitar o pensamento e a reflexão dentro do cinema.
A fotografia, por essa perspectiva, ao ser incorporada de maneira predominante pela narrativa cinematográfica de A festa e os cães, é utilizada como esse elemento estético, com uma força disruptiva intrínseca, que nos desloca de um lugar de espectatorialidade confortável, assinalando a dupla mediação à qual estamos submetidos. Ou seja, por um lado, a construção da narrativa media a experiência subjetiva do cineasta com o mundo, tendo a obra em si como a figuração desse processo; por outro, o filme-ensaio, enquanto obra, media a experiência dos espectadores com as coisas do mundo por meio da visualidade e da voz, da palavra e da imagem.
Ao lidar com as fotografias como se não fossem suas, o realizador produz a distância reflexiva necessária para modificar o valor privado e íntimo das mesmas. Valendo-se especialmente da relação entre texto e imagem, comentário verbal e fotografia, banda sonora e imagética – portanto, sobretudo, da montagem; A festa e os cães estabelece essa mediação que transfigura as fotos em elementos moldáveis, flexíveis, maleáveis. Através do modo em que esses materiais são ordenados, o realizador aos poucos dá forma ao seu pensamento. No entanto, essas fotografias, ao relacionarem-se não somente com as que a antecedem e sucedem, mas com todas as demais por relações de vizinhança, bem como com o texto verbal, revelam uma potência particular que parece escapar às intenções do cineasta. Logo, algo acontece para além das contínuas suspensões temporais, que convidam ao pensamento, a cada nova fotografia que se revela.
Por essa via, o espectador é chamado a engajar-se em uma relação dialógica e dinâmica com o texto e o sujeito que o enuncia, a completar as lacunas, a “tornar-se ativo, intelectualmente e emocionalmente, e interagir com o texto” (RASCAROLI, 2009, p. 35). Interação essa que será responsável por construir o sentido do filme de forma compartilhada, já que o sujeito enunciador realiza uma reflexão declaradamente pessoal a partir do comentário verbal e das fotografias. O filme-ensaio não transmite ao espectador o saber ou experiência do realizador em sua completude, comportando-se como esse terceiro elemento, cujo sentido não está plenamente depositado nem na intenção do cineasta nem na leitura do espectador. São os sentidos das fotografias em si que, em certa medida, revelam-se em construção permanente: não estão mais ligados às intenções do ensaísta, tampouco às capacidades perceptivas do espectador somente; mas intrínsecos à própria obra, às próprias fotografias, às imagens em si: pensativas.
Bibliografia
- BELLOUR, Raymond. Entre-imagens: foto, cinema, vídeo. Campinas, SP: Papirus, 1997.
CATALÀ, Josep. “Film-ensayo y vanguardia”. In: TORREIRO, Casimiro, CERDÁN, Josetxo (orgs.). Documental y vanguardia. Madrid: Cátedra, 2005.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida – cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio: Desde Montaigne e depois de Marker. Campinas, SP: Papirus, 2015.
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
RASCAROLI, Laura. The personal camera: Subjective cinema and the essay film. New York: Wallflower Press, 2009.
WEINRICHTER, Antonio (Org.). La forma que piensa: tentativas en torno al cine-ensayo. Pamplona: Gobierno de Navarra, 2007.