Ficha do Proponente
Proponente
- denise tavares da silva (UFF)
Minicurrículo
- Doutora em Integração Latino-americana pelo PROLAM/USP, professora do Departamento de Comunicação Social da UFF e Coordenadora daPós-Graduação Mídia e Cotidiano.
Ficha do Trabalho
Título
- Na trilha da poesia, leituras luminares: Heddy e Gabriela fabulam cine
Seminário
- Cinema e América Latina: debates estético-historiográficos e culturais
Resumo
- Traduzir ou “transcriar” a plasticidade engendrada pela poesia tem sido um veio fértil para o doc latino-americano. Aqui, a proposta é discutir as trilhas escolhidas por Heddy Honigmann em O amor natural (1995), e a que percorre Gabriela Yepes em Vivir es una obra maestra (2008), considerando suas escolhas distintas em diversos aspectos – formais, narrativos, estilísticos – que desenham um território atravessado por sombras que rodopiam em torno do fabular cinema a partir do real.
Resumo expandido
- Na relação do cinema com a poesia, o cenário desenhado só poderia ser múltiplo ou multifacetado, ressalvando-se, sempre, que suas delimitações (tal qual a poesia), só poderiam ser plásticas, flexíveis, linhas sempre em movimento. Isto porque o impacto que provoca o encontro com a poesia transborda-se em diversos retornos que se aninham às tradições documentárias marcadas, no cenário contemporâneo, pela desconfiança contínua da relação com o real, entre outras questões. Ora, se poesia é o que diz Octavio Paz (1984, p. 11), ou seja, “A operação poética consiste em uma inversão ou conversão do fluir temporal; o poema não detém o tempo: o contradiz e o transfigura” (1984, p. 11), o encontro poesia e cinema só ocorre quando há esta disposição de ser atravessado por ambos, em um processo de fabulação que, quase sempre, anula as distinções temporais e espaciais, concentrando a articulação nas possibilidades do inesperado, da entrega.
Trata-se de engendrar uma narrativa em espiral que vai e vem, tracejada sob o ritmo da descoberta, como ocorre em O amor natural (1995), documentário da peruana radicada na Holanda, Gabriela Yepes, que se inicia tateando um artifício de quem visita terras distantes – no caso, o Rio de Janeiro, que abrigou Carlos Drummond de Andrade. Mas, às interrogativas abaixo do tom que marcam as primeiras cenas do filme – “você sabe quem é Carlos Drummond de Andrade?”, pergunta ela, a feirantes, pequenos comerciantes, etc – seguem as reinvenções do encontro direto com os poemas eróticos do poeta. E aqui o documentário vai delimitando novo caminho que subverte a narrativa e até mesmo o protagonismo que parecia tão determinante no começo do filme. Agora, o que se mapeia revela o vigor semeado pelo cinema, dispositivo inconteste das novas possibilidades que se abrem no repensar a vida, rememorar, saborear as lembranças e a nudez de uma intimidade que se deixa compartilhar a partir da leitura de um poema. Neste sentido, o documentário, realizado em externas, oferece outras camadas disponíveis à leitura/interpretação, tal qual a poesia, em um processo que também expõe a força da imagem e do som – do cinema – multiplicando os encontros que, tão singelamente, percorrem a tela. Um ritmo e intensidade bem distintos de Vivir es una obra maestra (2008), de Gabriela Yepes, um curta (26 minutos) que busca apresentar a relação da cineasta com o poeta peruano Jorge Eduardo Eielson.
No curta documental de Yepes o eixo é sua relação com o poeta. Uma relação marcada pela reverência ressaltada na voz da cineasta, em off no filme. E também pela tentativa contínua do encontro entre os dois, algo que sempre desliza no tempo, tornando o vínculo entre ambos algo distante, frágil. Situação que, por sua vez, contrapõe a resistência de Eislson em partilhar sua intimidade enquanto acompanhamos o esforçado e contínuo desnudar do desejo de Yepes ir em sua direção, maravilhada pelo mistério da motivação criativa do poeta. Neste jogo marcado pela subjetividade de ambos a poesia dança pela tela, enrodilhada nas criações plásticas do poeta-artista, ou no tateio sem descanso da cineasta em busca de congelar um presente que lhe escapa a todo momento. Pois, voltando a Paz (1984, p.11), “O poema é uma máquina que produz anti-história” e em Vivir es una obra maestra – também título de um dos livros de Jorge Eduardo Eielson – que inicia epistolar (para muitos, já fora da história: quem escreve cartas hoje?) e depois mostra o contato entre ambos através do telefone, o poeta, em muitos instantes, é o próprio poema, é o caminho que garante o desencontro estrutural deste filme-testemunha, marcado pela antítese.
São duas obras de autoria feminina – como lembraria a cineasta e pesquisadora Karla Holanda – que se debruçam sobre a poesia de dois homens. E, pode-se dizer, que enquanto um filme é solar, aberto, extasiado pelo processo do “ir além do poema”, o outro é lunar, ensimesmado, reverente e íntimo. Dualidade que diz muito do continente latino-americano.
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. “O narrador”. In Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultura, 1983.
GAUTHIER, Guy. O documentário. Um outro cinema. Campinas(SP): Papirus, 2011.
GODOY, Mauricio. 180º gira mi cámara. Lo autobiográfico em El documental peruano. Lima: PUCP, 2013.
LEFEBVE, Maurice-Jean. Estrutura do discurso da poesia e da narrativa. Coimbra: Livraria Almedina, 1976.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas/SP: Papirus, 2005.
PAZ, Octávio. Os Filhos do barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
PIEDRAS, Pablo. El cine documental en primera persona. Buenos Aires: Paidós, 2014.
RENOV, Michael (Org.) (1993). Theorizing Documentary. New York: Routledge, 1993.