Ficha do Proponente
Proponente
- Liliane Leroux (UERJ)
Minicurrículo
- Socióloga (IFCS/UFRJ), Doutorado e Pós-doutorado pela UERJ. Professora e pesquisadora da FEBF/UERJ, pesquisadora do Programa de pós-graduação stricto senso em Educação, Comunicação e Cultura em Periferias Urbanas – FEBF/UERJ. Temas de Pesquisa: Estética e Política, Cinema em periferias urbanas, Sociologia Visual. Coordenadora do Núcleo de Estudos Visuais em Periferias Urbanas – NuVISU (CNPq/UERJ)
Ficha do Trabalho
Título
- “Temos !!! ” – A autoficção do cinema na Baixada Fluminense.
Seminário
- Cinemas em português: aproximações – relações
Resumo
- A possibilidade do digital (que permite a “qualquer um” fazer um filme) faz emergir uma nova cena na Baixada: uma juventude que responde cinematograficamente ao que vê. Surge, uma contra-cultura, de amadores (aqueles que amam) construída em torno do cinema, do olhar e da cidade. O grito de guerra “Temos !”, entoado pelos cineastas da Baixada a cada nova conquista, expressa esse movimento que vai se autoautoficcionando ao mesmo tempo em que anuncia sua reivindicação na partilha do sensível.
Resumo expandido
- “Não (…) cometeria a leviandade de afirmar que temos uma vocação inequívoca para o cinema. Mas uma coisa é certa: a sétima arte sempre nos cortejou e sempre fomos enamorados dela.” (Rogério Torres, s/a).
Vizinha da “cidade maravilhosa”, cartão postal do país, a Baixada Fluminense – periferia proletária, ocupada por migrantes nordestinos atraídos pelas oportunidades de trabalho no emergente sudeste brasileiro dos anos 1950 e 1960-, tem sido estigmatizada pela mídia como território de violência, no pior estilo faroeste e mondo cane. É a partir de uma de suas inúmeras histórias de “pistolagem” que este território entra no cinema nacional em 1954 com o filme “Carnaval em Caxias”, de Paulo Wanderley. Uma chanchada da Atlântida que tem Tenório Cavalcanti, o lendário político conhecido como o “homem da capa preta”, como personagem principal. Em seguida, é a vez de um delegado local ser figurado em “Assalto ao Trem Pagador” ( 1962) de Roberto Farias. Voltando ao Tenório, aliás, este inspiraria ainda – por formas distintas – dois outros filmes: “O Amuleto de Ogum” de Nelson Pereira dos Santos (1970) e “O Homem da capa Preta” de Sérgio Resende (1986).
Em O Amuleto de Ogum, baseado em argumento de Chico Santos (roteirista, produtor e morador da baixada), Nelson tira proveito do mito de “corpo fechado” propagado por Tenório Cavalcanti e propõe uma nova e potente concepção de cultura popular que nega a imagem do povo como vítima alienada, tão comum nos filmes anteriores do Cinema Novo. Basta lembrar que , após rodar este filme em Duque de Caxias, município da Baixada, Nelson afirma em entrevista ao Opinião (1975) que “Caxias é a capital cultural do país” exatamente por perceber ali, na efervecente mistura gerada pelo processo migratório naquele território, o centro (e não a periferia) dos encontros e das trocas culturais mais potentes.
No mesmo ano de Amuleto de Ogum, a própria Baixada inicia seu movimento de autoapresentação pelo cinema com o filme “Sangue Quente em Tarde Fria” (1970), com argumento do mesmo Chico Santos. Entre 1970 e 1980, vários filmes são produzidos pelo Grupo ARCO (Arte e Comunicação), uma parceria entre de fotógrafos/pesquisadores da Baixada e o poeta Barboza Leite, também morador da região. Seus filmes, realizados em Super 8, foram exibidos em Duque de Caxias e na FUNARTE. Entre os títulos levantados estão: “Mar, Amor Amargo”, “Janela Verde”, “Caxias, uma Cidade” e a animação “Os Grilos do Capitão América”.
Além da participação de Chico Santos, com o argumento e também como ator, em Amuleto de Ogum, outros moradores da Baixada também se envolvem em produções profissionais de cinema desde a década de 1970. É o caso do montador Severino Dadá, por exemplo. Estes, porém, para fazer cinema, precisavam sair da Baixada e entrar nas redes já constituídas no Rio de Janeiro. No início dos anos 2000, a possibilidade do digital (que permite a “qualquer um” fazer um filme) somada à percepção daquela região como absolutamente cinematográfica faz emergir uma nova cena na Baixada: uma juventude que responde cinematograficamente ao que vê.
Do ponto de vista conceitual, a análise que apresento fará da noção de “partilha do sensível” seu principal operador. Tal enfoque teórico permite ensaiar o circuito independente de cinema da Baixada Fluminense como um modo potencial de subjetivação que interrompe significações anteriores e já desgastadas do termo “periferia”, tais quais “periferia estigma” ou mesmo a “periferia orgulho”, pela via da desidentificação e autotitulação. Para tal fim, , tomo o grito de guerra “Temos!”, entoado pelos cineastas da Baixada a cada nova conquista, como o fio narrativo deste trabalho por expressar tão bem um movimento que vai se autoficcionando, no sentido de se autofabricar, ao mesmo tempo em que descobre, anuncia e atualiza sua reivindicação na partilha do sensível.
Bibliografia
- ARENDT, H. 1999. A vida do espírito – Volume 1 – Pensar. Lisboa, Instituto Piaget, 242 p.
HB, H. O Cerol Fininho da Baixada – Histórias do Cineclube Mate com Angu.
RANCIÈRE, J. 2009. A Partilha do Sensível. São Paulo, Editora 34, 69 p.
TORRES, R. A Caxias de Antigamente. s/d