Ficha do Proponente
Proponente
- Roberta Veiga (UFMG)
Minicurrículo
- Professora Doutora do Dep. de Comunicação Social da FAFICH-UFMG e do PPGCOM-UFMG. Editora da revista Devires – Cinema e Humanidades. Pesquisadora junto ao grupo Poéticas da Experiência (UFMG) onde desenvolve a pesquisa “A escrita de si pela imagem: cinema, história e espetáculo”. Membro do comitê científico do Forumdoc.bh (Festival do Filme Documentário). Tradutora do livro “Nothing Happens: Chantal Akerman’s Hyperrealist Everyday”, de Ivone Margulies, pela Edusp. Secretária Acadêmica da SOCINE.
Ficha do Trabalho
Título
- A privatização da imagem: do youtube ao cinema, o desvio do politico
Seminário
- O comum e o cinema
Resumo
- A partir da experiência de um filme feito com vídeos do youtube (de uma mesma personagem) que se situam entre o tutorial e o confessional, discutimos a privatização da imagem, que ao oprimir o comum como potência da alteridade, promove o desvio da política. Indaga-se ainda se na passagem dessas imagens de si para o dispositivo cinematográfico, o encontro com um segundo olhar – não de seguidores, mas de espectadores – possibilitaria, pela negatividade, o gesto crítico que reenviará ao político.
Resumo expandido
- Sem querer reivindicar um cinema “puro”, abordaremos nessa apresentação um cinema que, ao se constituir de vídeos feitos para o youtube, produz um imagem privatizada, asséptica e controlada, que ao se fechar à diferença, ao exterior, ao que faz vinculo com o mundo e a história, é o próprio desvio da política.
Sabemos da força política das redes sociais, locus de constituição do comum enquanto formas de alteridade colocadas em relação. O youtube, especificamente, pode operar na contracorrente da informação oficial ao permitir o compartilhamento de olhares nos contextos de disputa (como os milhares de vídeos da Jornadas de Junho que revelam o acontecimento de dentro). Porém, no youtube, o comum pode também ser relegado ao domínio da identificação, do próprio e do si-mesmo, engrossando o caldo do espetáculo. Trata-se do que chamamos privatização da imagem, recorrente num formato de vídeo no qual o sujeito vira a câmera pra si e performa de modo similar aos apresentadores de tevê, mas acentuando o ambiente caseiro e a vida privada. De vídeos tutoriais, passando pelos canais de humor de youtubers, aos vídeos confessionais, o acento na vida intima cresce exponencialmente.
Dentro, mas na contramão, da proposta do Seminário “O cinema e o comum”, o filme que pretendemos discutir é justamente aquele que, oferecendo-se como sintoma de uma sociedade tomada pelo capitalismo estético ou cognitivo, não fratura as forças da biopolítica e do espetáculo, mas as referendam. O objetivo é justamente pensar o completo avesso daquilo que torna a experiência cinematográfica uma comunidade estética e, portanto, política (RANCIÈRE). Trata-se de alcançar a comunidade de heterogêneos pelo seu oposto, sua negatividade, afirmando o que ela não é: uma comunidade de homogêneos.
Intitulado Itube, o filme é uma montagem de vídeos do youtube realizados por Flávia, uma jovem brasileira residente nos EUA, que se torna popular nas redes sociais postando seus vídeos tutorais (de maquiagem, moda, etilo de vida) e confessionais. A proposta é analisar o filme em duas direções: mostrar como o gesto da youtuber/personagem nega o ser-comum operando um desvio do político; e pensar em que medida a passagem para o cinema pode refundar a dimensão política pelo desvio do primeiro olhar vigilante da audiência do youtube.
No primeiro eixo, pensamos o gesto de virar a câmera para si e o endereçamento ao público do youtube, como forma de negação da saída de si, ou seja, ao se endereçar ao outro, endereça-se a “si-mesmo”. Longe do transbordamento do sujeito como proprietário que caracteriza o comum, a youtuber produz uma imagem lisa, artificial em sua gênese, que se dobra sobre a clausura de seu cotidiano doméstico e de seu circuito ordem-consumo-exposição. Privada das rasuras, hiatos, fraturas, vida e imagem se colam.
Dado que o Itube não foi lançando no Brasil e que o diretor, mesmo tendo o filme aceito num festival de cinema, não foi encontrado, não há rastros de sua existência. Buscamos resguardar o anonimato que o diretor parece ter escolhido, no entanto, apresentamos trechos do filme (os vídeos que se encontram no youtube), sem deixar de perseguir a segunda direção proposta para análise que concerne ao dispositivo cinematográfico, ao digamos, “efeito cinema” que se institui pra além da montagem: o que acontece na passagem dessas imagens, destinadas ao youtube, para o cinema em temos do engajamento de um segundo olhar? Em que medida essa camada outra de espectatorialidade complexifica a ordem do discurso criando uma possibilidade crítica, de indagação propriamente política? Pretendemos ainda pensar como os vídeos do youtube enquanto constituintes do filme se comportam frente às operações analíticas próprias ao cinema. De que maneira as noções de campo, contra-campo e fora de campo, nos permite pensar o desvio político na estrutura fílmica e um possível reenvio político no dispositivo cinema?
Bibliografia
- AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Lisboa: Presença, 1993.
BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas, vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRASIL, André G. Modulação/montagem: ensaio sobre biopolítica e experiência estética. Tese de Doutorado. PPGCOM/UFRJ. Julho, 2008.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Lisboa: Edições Afrodite, 1972.
ESPOSITO, Roberto. Communitas. Origen y destino de la comunidad. Buenos Aires: Amorrortu, 2012.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. MACHADO, R.(org). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.
MONDZAIN. Marie José. Nada tudo qualquer coisa ou a arte das imagens como poder de transformação. In: SILVA, R.; NAZARÉ, L (org). A república por vir. Arte, Política e Pensamento para o século XXI. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. SP: Ed.34, 1996.
__________. As distâncias do cinema. S.P: Contraponto