Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Leonardo Esteves (PUC-Rio)

Minicurrículo

    Leonardo Esteves é pesquisador de cinema. Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFRJ (EBA/UFRJ) e doutorando em Comunicação Social pela PUC-Rio com doutorado sanduíche na Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3 (bolsa CAPES).

Ficha do Trabalho

Título

    Ciné-tract e o paradoxo do anonimato

Resumo

    Os ciné-tracts são filmes anônimos de curta duração (aprox. 3 minutos) em 16mm, sem som, embalados pela verve militante reintroduzida na França pelo Maio de 68. Uma “paternidade” dos filmetes, se é apropriado atribuir o termo, é convencionalmente atribuída a Chris Marker. Por outro lado, é Godard quem vai dilatar o procedimento de tornar tão improvável a questão do anonimado nos ciné-tracts, os renomeando film-tracts. Propõe-se analisar a questão paradoxal do anonimato nessa breve filmografia.

Resumo expandido

    Maio de 68 inspirou uma filmografia numerosa que se ocupou de repercutir em imagens e palavras o repertório combativo que trafegava em marchas e estampava cartazes e grafites. Entre os filmes que se destacam e os projetos coletivos que os geraram, é patente a questão do anonimato – um tópico importante em uma lista de reivindicações que impõe a distância de um cinema de finalidade mais convencional, a do entretenimento. A tradicional cartela “um filme de”, portanto, se torna improvável; e a distinção do autor (único) resulta em uma medida reprovável.

    Em uma filmografia marcadamente militante e anônima, os ciné-tracts (ou cinétracts) preenchem um espaço muito significativo. Os curtas-metragens silenciosos, feitos com apenas um rolo de 16mm e a partir de fotografias, são criações do período que não apenas originam filmes acabados, mas instituem uma estrutura-prática. Afinal, um panfleto anônimo chega a ser distribuído, explicando o que é e como fazer um ciné-tract (Layerle, 2008, p. 291-92). A prática vai ser disseminada enquanto um exercício em diversos segmentos. A feitura de um ciné-tract é verificável nas atividades dos États Généraux du Cinéma Français e também está expresso no manifesto do Grupo Medvedkine de Besançon.

    Segundo Jean-Luc Godard, o ciné-tract teria sido uma invenção de Chris Marker (Bergala, 1998, p. 332). Ao repensar os filmetes, contextualizando-os na obra do diretor de La jetée (1962) e nas práticas conduzidas por ele, perde-se já um pouco da noção de anonimato que estaria atrelada ao formato. Um “estilo Marker” estaria presente em todos os níveis do ciné-tract (Paci, 2008, p. 173). É, inclusive, o coletivo do cineasta (SLON, posteriormente nomeado ISKRA) que vai dispor de um fundo de fotografias que serão reutilizadas diversas vezes nos filmetes. A repetição sobre o mesmo material, e a consequente ressignificação a partir de diferentes articulações, vai tornar claro o paradoxo em torno do anonimato. Como observa a pesquisadora Viva Paci, “le ciné-tract tout comme um slogan, devient vite une question de style: il porte la marque personnelle du style de l’auteur, mais paradoxalement c’est un genre ‘impersonnel’ ou du moins non-signé “ (“o ciné-tract, assim como um slogan, se torna rapidamente uma questão de estilo: ele traz a marca pessoal do estilo de seu autor, mas, paradoxalmente, trata-se de um gênero ‘impessoal’ ou, ao menos, sem assinatura”) (Paci, 2008, p. 173).

    Em seguida, Godard tornará a questão do anonimato ainda mais problemática. Ao aperfeiçoar traços tão pessoais em suas contribuições, as renomeando film-tracts, o diretor dá prosseguimento aos ciné-tracts. Mas o faz a partir de uma abertura da função poética e não exclusivamente panfletária, expandindo o “regulamento” divulgado em panfleto anônimo.

    Este trabalho pretende analisar os dispositivos que problematizam o ciné-tract enquanto um panfleto-fílmico anônimo, levando em consideração duas abordagens autorais: uma pelo lado de Chris Marker e outra pelo de Godard. Pretende-se investigar também os filmetes enquanto esboço para um cinema materialista dialético (conceito criado por Jean-Paul Fargier na revista Cinéthique). Segundo Fargier e posteriormente Gerard Leblanc (na mesma revista), esse modelo seria colocado em prática pelo Grupo Dziga Vertov (de Godard e Jean-Pierre Gorin), fundado logo após a fabricação dos film-tracts. Um filme materialista dialético resultaria igualmente problemático na abolição de uma assinatura autoral, distinguindo-se fatalmente da busca pelo anonimato e solapando mesmo uma assinatura coletiva.

Bibliografia

    BERGALA, Alain (Org.). Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard [Tome 1, 1950-1984]. Paris: Cahiers du cinéma, 1998.

    FARGIER, Jean-Paul. La parenthèse et le détour. Cinéthique, Paris, nº 5, p. 15-21, set. 1969.

    FAROULT, David. ”Ciné-tracts”. In: ARAÚJO, Mateus; PUPPO, Eugênio. Godard – inteiro ou em pedaços. São Paulo: Heco Produções, 2015, p. 140-142.

    LAYERLE, Sébastien. Caméras en lutte en Mai 68. Paris: Nouveau monde éditions, 2008.

    LEBLANC, Gerard. Quel avant-garde?. Cinéthique, Paris, nº 7-8, p. 72-92, abril 1970.

    MAAREK, Philippe J.. De Mai 68… aux films X. Paris: Éditions Dujarric, 1979.

    PACI, Viva. ”On vous parle de… ciné-tracts”. In: HABIB, André; PACI, Viva. Chris Marker et l’imprimerie du regard. Paris: L’Harmattan, 2008, p. 167-177.