Ficha do Proponente
Proponente
- Glaura Cardoso Vale (UFMG)
Minicurrículo
- Doutora em Estudos Literários pela FALE/UFMG, mestra em Literaturas de Língua Portuguesa pela PUC Minas e residente pós-doutoral em Comunicação Social pelo PPGCOM/UFMG, com bolsa PNPD da Capes. Atua como pesquisadora nas áreas de literatura e de cinema, tendo ministrado oficinas de audiovisual e auxiliado na pesquisa e produção de documentários. É coordenadora de produção da Revista Devires – Cinema e humanidades, atuando também como organizadora. Colaboradora do forumdoc.bh desde 2003.
Ficha do Trabalho
Título
- Aloysio Raulino, leitor de Borges
Seminário
- Cinema e literatura, palavra e imagem
Resumo
- Conhecidamente, um dos traços de Jorge Luís Borges é o de criar espelhamentos, o eu e o outro imbricados numa trama labiríntica na qual o ler e o escrever são processos marcados pela reversibilidade. Igualmente labiríntico, Inventário da Rapina (1986), de Aloysio Raulino, coloca em movimento esses dois gestos, presentificados na tela pela grafia, pelo livro, pela leitura em voice over, friccionando cinema e literatura. É sobre esse movimento que esta apresentação versará.
Resumo expandido
- Suponho ser lugar comum afirmar que Jorge Luís Borges tenha uma escrita labiríntica e atravessada por enigmas. Referindo-se, dentre outros, a’O Aleph, Ricardo Piglia diz que na literatura “aquele que lê está longe de ser uma figura normalizada e pacífica (…) antes, aparece como um leitor extremo, sempre apaixonado e compulsivo” (2006, p. 21). Maurice Blanchot, ao suspeitar que Borges recebeu o infinito da literatura, afirma que esta “não é uma simples trapaça, é o perigoso poder de ir em direção àquilo que é, pela infinita multiplicidade do imaginário” (2005, p. 139). Esse jogo, marcado pela reversibilidade entre o ler e o escrever, não se trata de um falar de si ensimesmado, mas de colocar em diálogo os gestos próprios da leitura e da escrita, refletir sobre as referências literárias e culturais, e sobre a devolução das palavras e imagens ao mundo. Igualmente labiríntico, Inventário da Rapina (1986), de Aloysio Raulino, coloca em movimento esses dois gestos, presentificados na tela pela grafia, pelo livro em cena, a máquina de escrever, pela leitura em voice over, apropriando-se de textos do poeta Cláudio Willer, dentre outras estratégias. Em busca de O livro de areia do escritor argentino, ao voltar a câmera para si mesmo, o cineasta narra o encontro numa livraria com um personagem enigmático e introduz uma atmosfera tipicamente borgiana, friccionando cinema e literatura.
É comum na literatura encontrarmos a leitura e a escrita encenadas através de personagens que escrevem e leem cartas, livros, diários e da própria estrutura textual se apropriar de um gênero (diário, ensaio, epistolar, teatral, cinematográfico) para organizar a narrativa. No cinema, a presença desses gestos é também comum, seja na ficção ou documentário, destacando aqui alguns estudos no Brasil sobre o tema: o conhecido livro de José Carlos Avellar (O chão da palavra, 2007), os livros de Mário Alves Coutinho (Escrever Com a Câmera a Literatura Cinematográfica de Jean Luc Godard, 2010) e Maurício Salles Vasconcelos (Jean-Luc Godard – História(s) da literatura, 2015), as dissertações de Marilia Rocha (O ensaio e as travessias do cinema documentário, 2006) e Carla Italiano (Senti que me partia em mil pedaços: aproximações entre as escrituras fílmicas de David Perlov e Jonas Mekas, 2015) e a tese de Ilana Feldman (Jogos de cena: ensaios sobre o documentário brasileiro contemporâneo, 2012), bem como seus estudos recentes sobre os diários de David Perlov. Com esse espectro, nos afastamos dos estudos que elaboram seus argumentos estritamente a partir das adaptações literárias, para discutir a árdua tarefa do escritor-cineasta e o seu trabalho de leitura. Como diz Raulino em um de seus haikais: “O cinema/ se oculta se/ expande/ no coração da/ desordem” (In: Celeste, separata que acompanha o Catálogo do forumdoc.bh.2013).
Para esta apresentação, procurarei aprofundar as reflexões que acompanham o Fotograma comentado, “Escrita e leitura do movimento no cinema de Aloysio Raulino”, publicado na revista Devires, quando tento, à luz de Jair Fonseca e outros autores, investigar a presença da escrita e da leitura como aspectos fundantes da mise-en-scène em Inventário da Rapina. Com uma fortuna crítica ainda restrita – destacando as recentes reflexões de Victor Guimarães sobre as figuras do povo nesse cinema em diálogo com a cinematografia latinoamericana desde Fernando Birri –, Aloysio Raulino parece buscar no enigma borgiano uma dobra em seu filme (como a dobra de um livro) ao nos apresentar um personagem literário misterioso dentre os demais personagens que sua câmera encontra. É em torno deste enigma – e de Raulino leitor – que pretendo discorrer.
Bibliografia
- ARBEX, Márcia (org.). Poéticas do visível – ensaios sobre a escrita e a imagem. BH: FALE UFMG, 2006.
ARRIGUCCI JR., D. Alexandre, leitor de Borges. Remate de Males, Unicamp, 2009.
BLANCHOT, M. O livro por vir. SP: M. Fontes, 2005.
BORGES, J. L. O livro de areia. Porto Alegre: Ed. Globo, 1978.
DUMANS, J. A sinfonia dos pobres (ou a modernidade de Aloysio Raulino). In: Forumdoc.bh, Filmes de Quintal, 2013.
FONSECA, Jair. Cinepoesia: a dança da música da luz. In: Forumdoc.bh, Filmes de Quintal, 2013.
GUIMARÃES, César; SEDLMAYER, S. A vespa e a orquídea: encontros entre o cinema e a literatura. Rev. Devir, BH, p. 83-89, dez. 1999.
GUIMARÃES, Victor. Noites Paraguayas, de Aloysio Raulino (Brasil, 1982). Cinética, dez. 2013.
PIGLIA, R. O último leitor. SP: Cia das Letras, 2006.
SEDLMAYER, Sabrina. Pessoa e Borges, quanto a mim, eu. Lisboa: Vendaval, 2004.
VALE, Glaura C. Escrita e leitura do movimento no cinema de Aloysio Raulino. Devires, V. 10, N. 2, P. 78-87, JUL/DEZ 2013.