Ficha do Proponente
Proponente
- Marcelo Miranda da Silva (UFMG)
Minicurrículo
- Formado em Comunicação (UFJF).
Escreve na revista eletrônica Cinética.
Colaborador das revistas Interlúdio, Filmes Polvo, Teorema, Filme Cultura, Revista de Cinema, Monet e Continente e dos jornais Estado de Minas, Estado de S. Paulo, Valor Econômico, Zero Hora e Folha de S.Paulo.
Repórter de cultura no jornal O TEMPO (2006-2013).
Textos em catálogos de retrospectivas e festivais de cinema.
Selecionador de filmes em festivais.
Livro publicado: “Revista de Cinema – Antologia” (Azougue, 2014).
Ficha do Trabalho
Título
- A luz e a escuridão em “Cavalo Dinheiro”, de Pedro Costa
Resumo
- No filme português “Cavalo Dinheiro” (Pedro Costa, 2014), articula-se a relação das luzes e sombras às vivências pessoais e históricas dos personagens em cena. Ventura e Vitalina, exilados de Cabo Verde e vítimas das consequências de revoluções políticas em Portugal, são filmados como espectros a caminhar pelos espaços apresentados no filme e acumulam em seus corpos e rostos as afetações de um tempo que permanece impregnado neles e que se dá a ver no trabalho de iluminação e enquadramento.
Resumo expandido
- Na perspectiva do uso de luzes e sombras em “Cavalo Dinheiro”, o branco e o negro são predominantes no filme de Pedro Costa – mais especificamente, o claro e o escuro. João Bénard da Costa, crítico português, expôs as relações dos dois extremos cromáticos na obra do diretor. Ao apontar que “não há um só plano de Pedro Costa em que as chamadas ‘cores vivas’ (as ‘cores acidentais’ de Buffon) sejam dominantes”, Bénard diferenciava as noções de “negro” e “preto” do que seria “escuro” e em que medida este último era a chave de apreensão para os primeiros trabalhos do cineasta, como “O Sangue” (1989), “Casa de Lava” (1994) e “Ossos” (1997): “O escuro não é uma cor, mas é a origem das cores, como é também a origem do visível. Como dizia Goethe: ‘O olhar não vê forma nenhuma. São o claro, o escuro e a cor conjugados que fazem com que o olhar distinga um objeto do outro. A realidade é concebida ao mesmo tempo que o olhar’”.
Afirmar que “Cavalo Dinheiro” seja um filme “expressionista” pode soar simplista. Sua pictorialidade se utiliza de matizes que o aproximam de uma estética e de um sentimento. Se o expressionismo se caracterizava pela exposição dos rasgos afetivos, do sentimento berrante e excessivo, da angústia por um mundo entre guerras, “Cavalo Dinheiro” seria algo como um antiexpressionismo, ao retirar quase todas as cores e deixar que as sombras e as silhuetas se comuniquem. O filme se conecta ao claro-escuro expressionista por outro sentido: sem ser em preto e branco, retira as cores e as regurgita numa distorção das formas plásticas, num “cinema do possível e do impossível”, na expressão de Jacques Rancière.
A proposta desta comunicação é analisar as relações entre o uso da luz e da escuridão às consequências históricas e afetivas colocadas em movimento na encenação e na articulação de “Cavalo Dinheiro”. Dando prosseguimento ao estudo do corpo e do espaço como receptáculos de uma história em movimento diante de sua câmera, como visto em “Ossos”, “No quarto da Vanda” e “Juventude em marcha”, Pedro Costa amplia a própria abordagem num trabalho de profundo apuro visual e sonoro, no qual a aproximação com o expressionismo se dá no interior dos personagens e na plasticidade da luz e das sombras.
A mistura de tempos e memórias – com Ventura, figura-chave no cinema de Costa, aqui doente e envelhecido, dizendo ter 19 anos e 3 meses de idade e localizando seu presente em 11 de março de 1975 (um dia de contra-golpe na política de Portugal) – acontece no espaço institucionalizado de um hospital abandonado. Ventura remete aos sofrimentos do passado, quando trabalhou para poderes estabelecidos em Lisboa e depois foi engolfado pelas consequências da Revolução dos Cravos em 1974. A luz, então, é símbolo de autoridade (ou autoritarismo?), porque Ventura é um ser das sombras, tal como o conde Orlok de “Nosferatu – Uma Sinfonia de Horror” (F.W. Murnau, 1922), com quem ele guarda tantas semelhanças (inclusive físicas, nos “dedos tão finos e tão longos”, como observa Vitalina, a outra figura essencial do filme).
Pedro Costa assume influências do cinema americano clássico e da cinematografia alemã dos anos 1920 e 1930, mas, em geral, essas relações tendem a ser apontadas mais como fetiche por parte de alguns críticos do que se fazem pregnantes na tessitura daquilo que se vê e ouve nos filmes. Se similaridades inesperadas com Ford, Torneur, Lang, Dreyer e Murnau podiam ser apontadas, elas estavam no uso dos espaços, na interação dos corpos, nos enquadramentos e na atenção a uma construção visual muito fixada no uso do escuro (mais até que a luz). Mas nunca isso se deu por mera semelhança, e sim por reinvenção: o cinema de Pedro Costa não se apropria de determinadas características do passado para piscar a elas, e sim reinventa o uso de alguns recursos de forma a dar a ver outras expressividades, outras poéticas, outros pontos de contato. Os corpos em cena “desaparecem no corte, vivem e morrem de plano para plano” (Adrian Martin).
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. “O cinema e a encenação”, Texto e Grafia, 2006.
CABO, Ricardo Matos. “Cem Mil Cigarros: Os Filmes de Pedro Costa”, org. Orfeu Negro, 2010.
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DIDI-HUBERMAN, Georges. “Diante da imagem”, São Paulo, Editora 34, 2013.
_______. Coisa pública, coisa dos povos, coisa plural. In: NAZARÉ, Leonor, SILVA, Rodrigo (org.). “A república por vir – Arte, política e pensamento para o século XXI”. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.
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RANCIÈRE, Jacques. “As distâncias do cinema”, Rio de Janeiro, Contraponto, 2012.
_______. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2012.
_______. “A fábula cinematográfica”, Papirus, 2013.