Ficha do Proponente
Proponente
- Klaus Berg Nippes Bragança (UFES)
Minicurrículo
- Professor no curso de Cinema e Audiovisual do DepCom-UFES. Pesquisador vinculado ao Grupo de Pesquisa de Comunicação, Imagem e Afeto – CIA/UFES e ao NEX – Núcleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais/UFF . Doutor em Comunicação pelo PPGCom-UFF. Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pelo Pós-Com-UFBA. Graduado em Comunicação Social pela UFES.
Ficha do Trabalho
Título
- “O medo é a mensagem”: o horror da mídia no cinema contemporâneo
Resumo
- O cinema de horror foi desenvolvido em consonância ao desenvolvimento midiático que originou sua história. A partir da virada do século XX o gênero passa a incorporar em seus códigos narrativos a preponderância que as tecnologias de mídia assumiram no cotidiano, especialmente o meio digital. Este trabalho investiga como o horror contemporâneo materializa em suas formas certos padrões de uso da mídia, sua produção, preservação, transmissão e distribuição midiática, bem como suas fobias.
Resumo expandido
- “Todo meio ou veículo de comunicação também é uma arma poderosa para abater outros meios e veículos e outros grupos. Resulta daí que os tempos que correm se têm caracterizado por numerosas guerras civis, que não se limitam ao mundo da arte e do entretenimento”.
Marshall McLuhan, Os meios de comunicação como extensões do homem, 1964.
Em seu livro, MacLuhan discorre sobre a natureza técnica dos meios de comunicação, inclusive em relação à mídia eletrônica: “o meio é a mensagem”, uma vez que os efeitos das tecnologias de comunicação “se manifestam nas relações entre os sentidos e nas estruturas de percepção” (p.34). Desta maneira, o cinema enquanto meio configura efeitos em suas mensagens que tendem a refletir seu próprio caráter de mídia: o cinema fala sobre o meio cinematográfico através da linguagem cinematográfica – um modelo adaptável e aplicável a outro meios, como televisão, vídeo e internet. Mais do que um recurso metalinguístico, trata-se de uma faculdade reflexiva do padrão técnico de qualquer mídia, um modo de conformar seu “conteúdo” a seu “meio”.
A noção de auto-reflexividade confere às tecnologias de mídia um universo particular de existência, uma vida própria ou uma “presença viva” como defende Jeffrey Sconce (2000). Para Simone Natale e Gabrieli Balbi (2014) a “vida” de uma mídia obedece três etapas de “existência” acompanhadas por uma “imaginação fantástica” inerente à arqueologia de todos os meios: a fase anterior a seu nascimento, um passado em que os meios existentes moldam as profecias feitas para imaginar os usos de uma mídia ainda não surgida; sua fase de “nova mídia”, o presente em que um meio desperta e desponta, corrobora ou refuta as assunções passadas feitas sobre seu uso; e sua fase obsoleta, um futuro imaginário e nebuloso sobre a superação dos usos de uma mídia e sua consequente morte – uma obsolescência encontrada por Benson-Allott (2007) em sua análise sobre Ringu (1998).
No caso do horror, as tecnologias de mídia fomentaram um repertório reflexivo que vem se intensificando tanto no cinema como também em produtos televisivos e até mesmo em formatos produzidos para a Web – uma tendência percebida por Brigid Cherry (2009) como reação à ubiquidade da mídia na vida cotidiana. Mesmo que na história do gênero diversos títulos já tivessem apresentado narrativa e esteticamente a mídia como fonte do medo – por exemplo a televisão como consideram Jowett e Abbott (2013) e Murray Leeder (2013) em seus trabalhos sobre o horror televisivo –, na virada do século XXI, período que coincide com a rápida expansão da mídia digital, o horror incorporou e adensou os conflitos originados pela “crise de gerações” instalada na coexistência de tecnologias de mídia em fases distintas de vida.
A colisão entre “velhas e novas mídias” traçada por Jenkins (2009) em seus estudos sobre a cultura da convergência, atrela as vidas do cinema, da televisão, do vídeo e da internet – meios simultaneamente aliados e concorrentes na disputa pela audiência. Dois paradigmas parecem estar articulados e tensionados nesta composição, principalmente com o advento da mídia digital: a distribuição e a participação da audiência. Nesse sentido, Ramon Lobato (2012) emprega o fator “distribuição” – seja ela formal, informal ou mesmo ilegal – para analisar a materialidade fílmica. Trata-se assim de localizar os valores disseminados junto ao texto fílmico durante sua distribuição ou compartilhamento.
Filmes como The Lost Broadcast (1998), Ringu (1998), Sinister (2012) e Unfriended (2014) mostram os horrores deflagrados a partir do contato com um estágio da vida da mídia. São filmes que apresentam a tecnologia de mídia como fonte das fobias do indivíduo e da sociedade – uma tecnofobia identificada por Daniel Dinello (2005) nas distopias da ficção científica. Nos filmes a mídia figura como a “mensagem do horror” e, se a mensagem do filme de horror é o medo, seguindo as intuições de McLuhan, podemos dizer que o medo é também seu próprio meio.
Bibliografia
- BENSON-ALLOTT, C. “‘Before you die, you see The Ring’: notes on the immanent obsolescence of VHS”. In: Jump Cut, 49, spring 2007.
CHERRY, B. Horror. NY: Routledge, 2009.
DINELLO, D. Technophobia! Science fiction visions of posthuman technology. Austin: UTP, 2005.
JENKINS, H. Cultura da Convergência. 2.ed. SP: Aleph, 2009.
JOWETT, L.; ABBOTT, S. TV Horror: investigating the dark side of the small screen. London: I.B. Tauris, 2013.
LEEDER, M. “Ghostwatch and the haunting of media”. In: HOST-Horror Studies, 4/2, 2013, p.173–86.
LOBATO, R. Shadow Economies of cinema: mapping informal film distribution. London: Palgrave Macmillan, 2012.
McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. SP: Cultrix, 1969.
NATALE, S.; BALBI, G. “Media and the imaginary in history: The role of the fantastic in different stages of media change”. In: Media History, 20/2, 2014, pp.203-18.
SCONCE, J. Haunted Media: electronic presence from telegraphy to television. Durham: Duke UP, 2000.