Ficha do Proponente
Proponente
- DANIELA ZANETTI (UFES)
Minicurrículo
- Professora do curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Cultura Audiovisual e Tecnologia (CAT).
Ficha do Trabalho
Título
- Ficção e rastros documentais na obra de Miguel Gomes.
Resumo
- O artigo traz resultados de uma pesquisa que buscou estabelecer um modo de análise fílmica que problematizasse a representação de espaços e territórios culturais no cinema, a partir da identificação de dimensões documentais em narrativas audiovisuais de ficção, tendo como corpus a obra do cineasta português Miguel Gomes, em especial sua trilogia As Mil e Uma Noites (2015). O trabalho de análise se ancora nos conceitos de cotidiano e espaço, numa perspectiva antropológica.
Resumo expandido
- O que é dado a conhecer sobre Portugal na atualidade por meio de obras cinematográficas contemporâneas (pós ano 2000) que tenham como dispositivo narrativo o entrelaçamento entre ficção e documentário, ou entre o real e o imaginário? Essa é uma das questões que motiva uma pesquisa que, entre outros objetivos, buscou conhecer as estratégias de “ocupação” dos espaços e seus “usos” na construção da narrativa, na busca de identificar formas de caracterização de determinada(s) territorialidade(s), representativa(s) de Portugal. Para tanto, tem como corpus de análise as obras mais recentes do cineasta português Miguel Gomes, em especial a trilogia As mil e uma noites (2015), além de seus filmes anteriores Tabu (2012) e Aquele querido mês de agosto (2008). Miguel Gomes é um diretor contemporâneo já reconhecido e consagrado como “autor”, com obras exibidas em festivais internacionais, e seus filmes articulam referências do real e do imaginário, sendo ficções que dialogam com o documentário.
As diferentes formas de elaboração de um discurso sobre um determinado espaço – uma cidade, um país, etc. – em obras audiovisuais pressupõe que o espaço diegético criado não se resume a apenas uma “ambientação” adequada à narrativa, mas envolve, sobretudo, uma compreensão da relação estabelecida entre personagens (ou atores sociais, no caso dos documentários) e espaços, acrescentando-se ainda outro elemento: o cotidiano. A compreensão do cotidiano implica num interesse nas questões que perpassam a vida diária das pessoas, questões mais rotineiras, e os significados que as pessoas vão construindo, nos seus hábitos, nos rituais diários (Certeau, 2013).
Para tanto, desenvolve-se uma metodologia de análise fílmica (Gaudreault; Jost 2009) que articule a representação no cinema (Stam; Shohat, 2006) aos conceitos de cotidiano e espaço (Certeau, 2013), numa perspectiva antropológica vinculada ao audiovisual (Silvano, 2010). Também foram considerados os relatos de filmagens e os registros relativos às histórias reais que servem de base para o filme, disponíveis no site oficial, e que possibilita “expandir” a obra e ancorar os relatos em um contexto específico.
No que se refere ao contexto do cinema português, em relação aos anos 90 é possível identificar, de modo geral, alguns temas recorrentes, tais como a busca de uma posição identitária entre passado colonial (até 1975) e presente europeu (desde a adesão a União Europeia em 1986); o colonialismo e o legado da expansão portuguesa (em filmes históricos); o mundo contemporâneo; e questões de gênero. (Ferreira, 2013).
Tem-se como pressuposto que o diretor Miguel Gomes segue uma tradição fílmica que se caracteriza por mesclar ficção e documentário, realidade e imaginário, com obras que se estruturam a partir de um olhar antropológico sobre determinados contextos sócio-culturais, em geral tendo Portugal como lócus privilegiado. No cinema de Miguel Gomes, é visível uma forma de apropriação dos espaços a partir de relatos de práticas do cotidiano, compondo espaços de representação a partir de micro-narrativas, histórias em fragmentos que podem fornecer às práticas cotidianas uma dimensão de narratividade. Os modos de apropriação dos espaços produzem narrativas, e os relatos também podem ser compreendidos como “percursos de espaços”, considerando que as “estruturas narrativas tem valor de sintaxes espaciais” (Certeau, 2008:182).
Nesse sentido, a pesquisa buscou mapear nas obras cinematográficas em foco os “modos de proceder da criatividade cotidiana” de um determinado grupo social num determinado tempo e espaço, identificando de que maneiras a “estranheza” do especialista (ou do artista, no caso o realizador cinematográfico) em face da vida cotidiana é traduzida numa obra audiovisual a partir dos relatos captados, e posteriormente encenados, reconstituídos.
Bibliografia
- CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008. PP. 57-74.
FERREIRA, Carolin Overhoff. O cinema português. Aproximações à sua história e indisciplinaridade. São Paulo: Alameda, 2013.
GAUDREAULT, André. JOST, François. A narrativa cinematográfica – Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2009.
SILVANO, Filomena. Antropologia do espaço. Lisboa, Portugal: Assírio & Alvim, 2010.
STAM, Robert; SHOHAT, Ella. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.