Ficha do Proponente
Proponente
- Ana Beatriz Buoso Marcelino (UNESP)
Minicurrículo
- Graduação em Artes Visuais (Unesp); Pedagogia (Uninove); Especialização em Arte-Educação (Unesp); Educomunicação (USC); Educação Especial (FJB); Mestranda em Comunicação (Unesp). Atua como arte-educadora na rede pública de ensino estadual e municipal da cidade de Bauru – SP. Pesquisa sobre a produção de sentido no cinema e nas artes visuais, além de outros temas em arte, educação e comunicação.
Ficha do Trabalho
Título
- ÉTICA CAÓTICA: proposições sobre o cinema marginal de Júlio Bressane.
Resumo
- Este estudo pretende investigar os sentidos lançados pelo cineasta brasileiro Júlio Bressane em seu escopo marginal (1967-1973), cujos filmes foram concebidos dentro de uma estética considerada tosca, rudimentar, abjeta, disjuntiva e heterogênea, produtora de um efeito aparentemente caótico ao olhar de um público marcado pela hegemonia, à luz de ideários que poderiam contribuir com seus pressupostos na tentativa de elucidar os efeitos eliciados por tal linguagem adotada.
Resumo expandido
- As cenas propostas pelos filmes marginais de Bressane aparenta convidar o espectador a mergulhar em um universo paralelo e grotesco, porém, infinito de proposições que aqui serão instrumentalizadas por uma linha reflexiva pautada por um debate entre os teóricos da Escola de Frankfurt, como Benjamin (1996), Adorno e Horkheimer (1985), além de Kracauer (2009), a fim de considerar o perfil hegemônico que imergiu no cinema ao longo de sua história, bem como anteparar ao cinema marginal do cineasta como uma possível forma reacionária a esse quadro, a ser argumentado pelos pressupostos de Xavier (2013), Bernardet (1991) e Ramos (1987), estudiosos de sua obra.
Contudo, o fato do olhar marginal do cineasta brasileiro parecer entrar em conflito com um olhar supostamente “domesticado” do espectador (STAM, 2013), torna aguda a discussão sobre os efeitos de recepção, sem desprezar o aparato crítico, sensível, e perceptivo do mesmo, cujo senso moral entraria em choque com cenas de tortura, dilaceramentos, violência, crueldade, exploração de excrementos, necrofilia, entre outros temas condenados moralmente pela sociedade, que denunciam o cunho subversivo de sua obra, uma marca identitária classificada pelo mesmo como poética (BRESSANE, 2000).
Assim, a partir da disjunção aliada a uma teleologia fragmentada, junto ao aspecto rústico de produção, tanto a estética quanto a narrativa desses filmes parecem ser afetadas, podendo alterar a produção de sentido dos mesmos afetando a lógica da narrativa e compelindo ao público a adoção de uma postura decifradora da mensagem.
Tal caráter intuitivo e libertador apresentado pelos planos do cineasta ao se aproximar dos movimentos estéticos vanguardistas da época, como a arte conceitual, cuja experimentação se elevava como recurso técnico primeiro em abate à matéria propriamente dita, e também o experimentalismo neoconcreto, que propunha a ideia de imersão do indivíduo, o corpo que contagia o espectador seja por empatia ou sinestesia, ao mesmo tempo em que dialoga com o grotesco, causando determinadas rupturas, poderiam ser elementos consideráveis para a contemplação crítica desse espectador.
Essa nova experiência de mundo visível que se origina da luminescência das imagens eliciadas pelo cineasta estreitaria então os laços com o lirismo e a poesia. Dessa forma, a exploração sensorial da qual Bressane investiga por intermédio desse mundo de luz e texturas da cultura, poderia nos convocar a uma aventura perceptiva de novas revelações visuais.
No entanto, a abjeção gratuita somada à distorção da narrativa, como cenas aparentemente despropositais, jogadas ao vazio narrativo, sugere ao “espectador viciado em mecanismos de fruição próprios da narrativa clássica e que se abstenha de seguir a intriga […] resta um trabalho árduo e uma extrema “atenção” ao nível de recolhimento de dados para a constituição da história.” (RAMOS, 1987, p. 141). Assim, Bressane parece apresentar o caos à ética ao passar pelo filtro do olhar do espectador.
A pertinência deste estudo, entretanto, poderia justificar-se pelo fato de estar voltada à investigação da produção cinematográfica de um importante período histórico-cultural brasileiro, cujos estudos ainda estão sendo construídos, somados à experiência já acumulada, sendo assim, a condição do cineasta como um representante social imaginário torna ainda mais aguda esta discussão, em vista da contemporaneidade.
Dessa forma, entender as características do cinema brasileiro e sua constituição sugere correlacionar a estética à política, convenções e rupturas, inserções nos padrões mercadológicos e afirmação de linguagens alternativas que se traduzem em um cinema que, sobretudo, pesquisa métodos de reflexão crítica através de novas formas de representação, além do questionamento da imagem, e que não descarta a discussão de uma lógica implicada na experiência da esfera social, ou mesmo no questionamento da própria arte de se fazer cinema.
Bibliografia
- ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
BENJAMIN, W. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BERNARDET, Jean-Claude. O voo dos anjos: Bressane e Sganzerla. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BRESSANE, Júlio. Cinemancia. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
RAMOS, Fernão. Cinema Marginal (1968/1973): A representação em seu limite. São Paulo: Brasiliense, 1987.
STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Campinas, SP: Papirus, 2013.
XAVIER, Ismail. Alegorias do Subdesenvolvimento. São Paulo: Cosac Naify, 2012.