Ficha do Proponente
Proponente
- Julia Gonçalves Declié Fagioli (UFMG)
Minicurrículo
- Julia Fagioli é doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais, da linha de pesquisa Pragmáticas da Imagem, sob orientação do Prof. André Brasil. É mestre pela mesma instituição.
Ficha do Trabalho
Título
- A política e a partilha do comum em O fundo do ar é vermelho
Seminário
- O comum e o cinema
Resumo
- Nesse trabalho, propomos analisar alguns trechos de O fundo do ar é vermelho, a partir de uma perspectiva que leva em consideração a possibilidade de construção de uma nova visibilidade através da montagem e, ainda, do gesto político implicado na escolha de ponto de vista do cineasta militante. O filme escolhido é exemplar por permitir a ampliação da concepção de um contexto político através das imagens e a reconfiguração de uma experiência por meio da montagem dos arquivos.
Resumo expandido
- O cinema de Chris Marker é permeado pela temática da revolução. O engajamento político do diretor é mais evidente em alguns trabalhos, especialmente aqueles correspondentes ao período em que fez parte do Grupo Medvedkine nos anos 1960 e 1970. Nesse trabalho, propomos analisar alguns trechos de O fundo do ar é vermelho, a partir de uma perspectiva que leva em consideração a possibilidade de construção de uma nova visibilidade através da montagem e, ainda, do gesto político implicado na escolha de ponto de vista do cineasta militante. Trata-se de um trabalho que simboliza o cinema militante de Marker, e que se deu de forma processual, sendo retomado diversas vezes ao longo dos anos, com uma primeira montagem em 1977, a segunda em 1988, a terceira em 1993 e a quarta e definitiva versão de 1998.
Tomemos como ponto de partida para nossa discussão a afirmação de Jean-Louis Comolli (2008) de que filmar é um gesto indissociavelmente político, pois pressupõe a escolha de um ponto de vista. A hipótese do autor é de que o gesto de “filmar politicamente” (tomar posição, criar um ponto de vista) é capaz, senão de traduzir, ao menos de deixar inscrever algo de um contexto sócio-político. Filmar implica dar visibilidade, transformar um acontecimento em imagem. Em contexto totalmente outro, Georges Didi-Huberman (2009) afirma que escolher um ponto de vista especifico significa abrir mão de todos os outros tratando-se, de um gesto de resistência: para conhecer é preciso tomar posição e assim que se estabelece uma espacialidade e uma temporalidade. Para conhecer, continua Didi-Huberman, é preciso se lançar ao conflito, ou seja, “é preciso se implicar, aceitar enfrentar, afrontar, ir ao cerne, não titubear, não se contentar” (DIDI-HUBERMAN, 2009).
De acordo com Jacques Rancière (2005), a arte não é política apenas pela forma de representar conflitos sociais, mas principalmente pelo tipo de configurações de tempo e espaço que institui, pelo modo como recorta o tempo e povoa o espaço, propondo uma distinta experiência de engajamento por parte do espectador. Logo, a arte tem como função construir um espaço específico, uma forma inédita de partilha do comum, algo que o autor nomeia como uma partilha do sensível. A política reconfigura a partilha do sensível, e, assim, é capaz de tornar algo visível, de criar um novo comum. Esse novo comum diz respeito ao tempo e ao espaço compartilhados, assim como seria, no caso do cinema, um enquadramento e uma duração compartilhados por meio da imagem. Em um cinema engajado, trata-se da possibilidade de reconfiguração da experiência de um acontecimento político através do seu registro, pois, a partir dessas imagens, é possível torná-lo visível a outras pessoas e, assim, convocá-los a partilhar esse engajamento, torná-lo comum. O cinema que se constitui através da montagem de arquivos também consiste nesse gesto de tornar algo visível; um vestígio, um fragmento de história. Em documentários de arquivo, o fragmento do passado torna-se o comum a ser partilhado – não sem disjunções – entre quem produz a imagem, quem retoma o arquivo na montagem e o espectador do filme.
Nesse sentido, o documentário O fundo do ar é vermelho é exemplar, pois retoma imagens de arquivo e, na montagem, cria uma nova perspectiva, cria um novo comum que pode ser partilhado através da experiência do filme. Marker parte de imagens de arquivo dos anos 1960 e 1970, e retrata a ascensão dos movimentos socialistas e o seu declínio. O filme é dividido em dois blocos: Mãos frágeis e Mãos cortadas: o primeiro bloco tem como ponto de partida a guerra do Vietnã e trata do surgimento e fortalecimento do socialismo. Já o segundo, parte da primavera de Praga e trata do declínio do socialismo ao redor do mundo. É este o contexto que criou um novo horizonte para o trabalho de Marker e o que buscamos com esse trabalho, é perceber de que forma a montagem dos arquivos é capaz de proporcionar uma nova visibilidade e, assim, um novo comum.
Bibliografia
- COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Quand les images prennent position: L’œil de l’histoire. Paris: Les Éditions de Minuit, 2009.
LUPTON, Catherine. Chris Marker: Memories of the Future. Londres: Reaktion Books, 2008.
RANCIÈRE, Jacques. O Desentendimento: Política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.
_________________. A partilha do sensível: Estética e política. São Paulo: EXO experimental org.; Ed 34, 2005.
_________________. A estética como política. In: Devires, Belo Horizonte, V. 7, N. 2, p. 14-36, jul-dez 2010.