Ficha do Proponente
Proponente
- Érico Oliveira de Araújo Lima (UFF)
Minicurrículo
- Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC.
Ficha do Trabalho
Título
- Formas de devolução e comunidades por vir
Seminário
- O comum e o cinema
Resumo
- Poderíamos perguntar assim: que mundos o cinema devolve ao mundo? Nossa preocupação com essa comunicação tem por base o filme A vizinhança do tigre (2014), de Affonso Uchoa, pensado em uma rede conectiva entre a escritura, os engajamentos do espectador e os processos fundados na comparição dos filmados na cena. Nas bases dessa proposta, há certa reflexividade voltada para a própria análise das imagens, confrontada com a necessidade de um atravessamento com um excesso e uma experiência do Fora.
Resumo expandido
- Diante de A vizinhança do tigre (2014), filme de Affonso Uchoa, parece existir um desafio fundamental. Por meio de entrevistas, debates, intervenções do realizador e da equipe, e ainda alguns letreiros nos créditos finais, sabemos que o processo de realização foi longo, de fevereiro de 2009 a dezembro de 2013, e que o próprio diretor teve como motivação central o desejo de filmar o bairro onde morava e experimentar algumas relações com uma vizinhança que rondava sua vida. E aqui nos colocamos diante de uma questão: como o cinema pode devolver a uma comunidade de espectadores as marcas desse encontro decantado e prolongado, as relações de vizinhança traçadas entre quem filma e quem é filmado, a experiência de duração e o movimento de implicação dos corpos envolvidos nessa tessitura com uma parcela de cidade? Devolver tem ainda a dimensão de saber como o cinema retorna justo aos sujeitos de quem fez uma imagem. Talvez só possamos encontrar essas aparições sensíveis que nos interpelam, se tivermos como horizonte uma indissociável conjugação entre o trabalho do espectador, a escritura sensível da obra e a trama criada quando o cinema adentra as vidas dos filmados.
É na escritura – nos procedimentos fílmicos, na articulação da mise-en-scène e da montagem, nos modos de escuta fundados pela obra, nos diversos métodos de acolher a presença dos mundos outros interpelados pela máquina – que podemos encontrar, enquanto espectadores, todo um universo sensível que nos é devolvido e que nos chega para inventar uma comunidade permeada por fraturas. Mas, se há nas formas expressivas essa solicitação do outro, parece que também algo excede e ultrapassa uma materialidade imagética, abrindo o mundo do cinema para um campo mais ampliado, que se dá nas trocas, nos saberes e nos olhares que virtualmente serão reverberados por cada um e entre cada um, em meio a uma heterogeneidade de relações. Algo se abre a um Fora, no modo como Blanchot e Foucault nos dão a ver um “pensamento do exterior”. Poderíamos falar de uma possível pedagogia da imagem, para dizer das invenções de olhar a partir da agência da imagem na vida social. “Trata-se de ultrapassar a questão do ponto de vista (de onde olhamos e como filmamos), compreendida correntemente sob o modo da enunciação fílmica, para alcançar, duplamente, o lugar do qual olhamos e sob o qual somos olhados”, nos diz César Guimarães (2015, p.50), ao elaborar uma discussão em torno da noção de comunidades de cinema.
As formas são enlaçadas a um campo social complexo, que passa tanto por aquele momento em que uma câmera vem introduzir nas vidas dos diferentes sujeitos um quadro e um fora-de-quadro, quanto pelos modos de engajamento do espectador, que carrega para o cinema uma trama de signos e também retorna para a cidade com a experiência estética que lhe foi arremessada. Diríamos que se trata de pensar mesmo uma expansão do cinema em termos heurísticos, o que coloca a necessidade de nos situarmos na potência conectiva das imagens, para ensaiar algumas abordagens distintas de uma análise imanente.
Seguindo a trilha aberta pelo desejo de indagar a respeito de alguns modos pelos quais o cinema pode “dar forma ao comum”, gostaríamos de ensaiar estratégias de exceder o objeto filme – todavia, sem ignorá-lo – para fazer com ele uma montagem que tenta compor medidas comuns entre mundos aparentemente incomensuráveis. Como nos diz Mondzain (2011): “É porque a imagem não é nem uma coisa nem uma pessoa que ela opera entre sujeitos enquanto operadora de uma relação, sem usufruir, ela própria, de nenhum estatuto ontológico nem teológico, e, sobretudo, sem se reduzir à sua materialidade” (MONDZAIN, 2011, pp. 108, 109).
Tomando essas preocupações mais amplas de um horizonte teórico e metodológico, tentaremos nos colocar diante dos desafios postos por A vizinhança do tigre, que desejamos investigar segundo o diapasão de uma pergunta central: que mundos o cinema devolve ao mundo e como devolve?
Bibliografia
- AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
ALVARENGA, Clarisse. Comunidades por vir e imagens provisórias. Devires (UFMG), v. 1, p. 166-179, 2006.
FOUCAULT, Michel. O pensamento do exterior [1966]. In: Ditos e escritos III. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
GUIMARÃES, César. O que é uma comunidade de cinema? Revista Eco-Pós: Dossiê Arte, Tecnologia e Mediação, v.18, n.1, 2015.
MIGLIORIN, Cezar. Deixem essas crianças em paz: o mafuá e o cinema na escola. CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto – Cinema Patrimônio. 9ed. Belo Horizonte: Universo, 2014, v. 1, p. 198-203.
MONDZAIN, Marie-José. Nada tudo qualquer coisa ou a arte das imagens como poder de transformação. IN: SILVA, R. e NAZARÉ,L.(org.) A República por vir. Fundação Calouste Gulbenkian, 2010.
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. Lisboa, Orfeu Negro, 2010.