Ficha do Proponente
Proponente
- Marcos César de Paula Soares (USP)
Minicurrículo
- Professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Pós-doutorado nos Departamentos de Cinema da Universidade de Yale (2004) e Columbia (2012).
Ficha do Trabalho
Título
- A crítica à mercantilização do dissenso em Stanley Kubrick
Resumo
- Qual foi o papel da contracultura na consolidação de sua própria derrota? Qual foi o processo que fez com que os valores rebeldes dos anos 60 fossem o celeiro da nova cultura corporativa que passou a imperar a partir dos anos 80? Essas são algumas das perguntas que o cineasta Stanley Kubrick faz em filmes como Laranja Mecânica (1971) e o Iluminado (1980). Esta apresentação pretende discutir tais filmes a partir dessa perspectiva.
Resumo expandido
- Em 2001 – Uma Odisséia no Espaço, lançado após os eventos de maio de 1968, o salto para o futuro delineava uma tese ousada: a passagem dos tempos dos homens das cavernas para o ano 2001 desenha uma trajetória histórica que parece ter passado ao largo das conquistas dos anos 60. A sociedade do futuro imaginada por Kubrick é dominada pelos interesses corporativos, sintetizados na fria voz do computador Hal e nos logos estampados em diversos ambientes; a ação expansionista e intervencionista é que dá ímpeto à “investigação científica”; as ditas “minorias” de gênero e raça permanecem alheias às esferas mais expressivas de poder, dominadas exclusivamente por homens brancos; e a estrutura familiar convencional permanece o único vínculo significativo entre os astronautas e o planeta Terra. Nada mais distante dos sonhos da década em que “tudo ainda era possível”, cuja rebeldia iconoclasta sobrevive nos espaços do filme apenas como estilo, seja nas roupas femininas, seja no design cool e minimalista dos móveis e ambientes. Seria esse, poderiam pensar os espectadores de 1968, o triste destino da revolução de costumes e da crítica estética proposta pelos novos sujeitos históricos aos quais os anos 60 deram visibilidade?
Kubrick retornaria à questão em 1971, em Laranja Mecânica, cujo protagonista, o jovem Alex, faz parte de uma gangue de jovens cuja rebeldia se vê transformada em violência brutal contra todos, mas principalmente contra aqueles que seriam alguns anos mais tarde as principais vítimas da ascensão do governo Thatcher: os pobres e os militantes e intelectuais de oposição numa Londres que, distante da swinging London que alimentou os sonhos de uma geração de jovens artistas, se encontra degradada em prédios abandonados e pilhas de lixo. Aqui os traços geralmente associados ao estilo dos “sixties” se encontram rebaixados no kitsch insuportável das roupas, decorações e acessórios, que incorporam a estética da contracultura, mas esvaziada de seu sentido anticapitalista. A esse rebaixamento corresponde outro tipo de degradação, visível nas semelhanças evidentes entre a gangue de arruaceiros do filme e os membros dos Freikorps, as organizações paramilitares que se espalharam pela Alemanha derrotada na Primeira Guerra Mundial após 1918, e a juventude hitlerista. Entretanto, a incorporação dos jovens à “normalidade” dos aparelhos estatais de repressão, refletidos na transformação dos companheiros de Alex em policiais e na ascensão de Alex ao posto de figura central do governo conservador no poder, faz do grupo de rebeldes agentes ativos do Estado de exceção que viria a caracterizar as reviravoltas ideológicas da década posterior ao lançamento do filme.
Em O Iluminado, lançado em 1983, no auge do governo Reagan, o processo de capitulação das conquistas dos anos 60 agem em pelo menos três esferas. A primeira tem a ver com as demandas do movimento feminista e a corresponde indagação do papel nuclear da família, que os grupos mais progressistas queriam questionar. A segunda tem a ver com a quebra do regime convencional das identidades, cuja ampliação era uma exigência dos movimentos ligados às minorias sexuais e raciais. Finalmente, a terceira remete às exigências mais consequentes das correntes críticas iconoclastas do início dos anos 60 que fizeram a crítica da canonização do modernismo literário, rejeitando não apenas o romance de enredo, mas exigindo que a literatura se aproximasse da “vida”, incluindo a repetição insuportável que caracterizava as formas de sociabilidade e as rotinas de trabalho que se consolidaram com a padronização da vida moderna. Gostaria de sugerir que no conjunto os três filmes tecem um comentário sobre nossa complexa relação com os movimentos revolucionários que marcaram os anos 60.
Bibliografia
- COWIE, Jefferson. Stayin’ Alive: The 1970’s and the last days of the working class. New York: The New Press, 2010.
DARDOT, Pierre & LAVAL, Christian. The New Way of the World: On Neoliberal Society. London: Verso, 2013.
FRANK, Thomas. The Conquest of the Cool: Business Culture, Counterculture and Hip Consumerism. Chicago: The University of Chicago Press, 1998.
NAREMORE, James. On Kubrick. London: BFI, 2007.