Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    felipe maciel xavier diniz (UFRGS)

Minicurrículo

    Felipe Diniz é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da UFRGS, na linha de pesquisa Cultura e Significação, onde desenvolve uma pesquisa intitulada O Qualquer como Problemática de Desconstrução dos Personagens no Novo Cinema Brasileiro. Além de pesquisador, é cineasta, diretor de filmes como Desenredo (2016), Por Onde Passeiam Tempos Mortos (2014) e Arquivos da Cidade (2010).

Ficha do Trabalho

Título

    A Vizinhança do Tigre ou a Expressão de um Infame Qualquer

Seminário

    O comum e o cinema

Resumo

    Este artigo propõe uma reflexão sobre os personagens do filme A Vizinhança do Tigre, de Affonso Uchoa, 2014, a partir da teoria sobre os homens infames de Foucault e das ideias contemporâneas de Agamben sobre a comunidade e sobre o qualquer. Produz-se, assim, um pensamento que coloca o personagem ordinário e comum em um campo de indeterminação não fincado às representações identitárias, mas absorvido pela singularidade qualquer. Modela-se então um personagem infame-qualquer.

Resumo expandido

    Quando Michel Foucault escreveu o texto A Vida dos Homens Infames (2010), ele certamente imaginava que suas palavras poderiam ser atualizadas no embate com outras linguagens para além da literatura. Em um certo momento do texto ele diz: “Suponhamos que se trate de um primeiro volume e que a vida dos homens infames possa se estender a outros tempos e a outros lugares” (FOUCAULT, 2010, p.211). Apostamos da ideia de que o cinema pode fazer as vezes dos registros de internação do século XVII, meio a partir do qual Foucault compôs sua antologia de existências. Propomos neste texto uma reflexão sobre como o cinema pode evidenciar, através de suas formas de linguagem, personagens que caminham equilibrados em uma zona de indeterminação, cujas formas também são pressionada pelos estigmas. A partir do filme A Vizinhança do Tigre (2014) e do cruzamento das teorias de Foucault sobre o infame e de Agamben sobre a comunidade e sobre o qualquer, pretendemos reconhecer personagens que possuem, para além de personalidades marcadas pela infâmia, traços acobertados pela singularidade qualquer.
    O cinema moderno proporcionou a aparição da figura infame na tela, trazendo para as obras personagens comuns com suas vidas banais. Porém, nosso foco de interesse se dá na observação da radicalidade desta experiência que o cinema contemporâneo brasileiro nos oferece na narrativa de alguns filmes. Filmes cuja claridade das imagens são por algum momento importunada pela escuridão das incertezas e impurezas do discurso cinematográfico. Nossa ideia é comprovar que há um encontro possível dessas duas ordens de subjetivação (o infame e o qualquer) e que as imagens do cinema contemporâneo tornam-se palco perfeito para tais enredos. A Vizinhança do Tigre, através de seus dispositivos, não só enquadra as vidas dispersas em suas idiossincrasias, mas o que é o disperso da vida, através de uma trama que não contorna os personagens em sua totalidade. Dispositivos estes que revelam diferentes estratégias de encenação e que acabam por produzir o que Denilson Lopes chama de “personagens da recusa” (2012, p.111).
    Lopes utiliza este termo ao expor uma tese sobre o homem comum, figura incorporada nos movimentos artísticos da era moderna. Para ele há uma distinção necessária a ser feita entre o comum e uma figura estigmatizada pelas exclusões sociais e raciais. O comum não estaria marcado por uma classe social, mas sim acentuado por uma experiência de indistinção. O comum como personagem por este prisma não seria representado pelo pobre, pelo desafortunado e marginalizado tão presentes nas concepções naturalistas das obras, mas emergiria da discussão de Agamben sobre singularidade, ou seja, à sombra do desaparecimento das identidades.
    O filme lança mão de um dispositivo que converge com outras estratégias experimentadas em diferentes filmes que tem surgido no Brasil nos últimos anos, como por exemplo O Céu Sobre os Ombros, de Sergio Borges, 2011, Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, 2010 e Ela Volta na Quinta, de André Novaes, 2014. A contradição de uma câmera que é ao mesmo tempo observadora e invasiva acaba por gerar uma estética documental e ficcional concomitantemente.
    Entendemos, pois, os personagens do filme A Vizinhança do Tigre como um personagens-qualquer, ou infames-qualquer (o que é diferente de qualquer infame), cujas maneiras de ser e seus modos de estar, se movimentam nos limites da linguagem cinematográfica. Quando a singularidade qualquer produzida nos embates da linguagem atravessa o infame, presenciamos uma fratura na representação que liberta o personagem para ser mais do que uma criatura limitada pelos seus estigmas. Tais sujeitos conseguem por um momento se libertar das molduras cristalizadas das identidades e questionar não só as certezas impostas pela condição social, mas as expressas pelas imagens do cinema.

Bibliografia

    AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. São Paulo: Autêntica, 2013.

    _____ . A Potência do Pensamento. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

    A VIZINHANÇA DO TIGRE. Affonso Uchoa. Belo Horizonte : Katasia Filmes, 2014.

    BRASIL, André. Formas de Vida na Imagem: da indeterminação à inconstância. Disponível em: http://www.thefreelibrary.com/Formas+de+vida+na+imagem%3A+da+indeterminacao+a+inconstancia.-a0306356825. Acesso em 10 de março de 2016.

    FOUCAULT, Michel. A Vida dos homens infames. In Estratégias, poder-saber. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 2010.

    LOPES, Denilson. No Coração do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.

    NANCY, Jean Luc. La Communauté Desuvré. Paris, Christian Borgois Éditeur, 2004.