Ficha do Proponente
Proponente
- Fernanda Sayuri Gutiyama (IA – UNICAMP)
Minicurrículo
- Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Midialogia pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é mestranda da Pós-Graduação em Multimeios (Unicamp), trabalha com produção audiovisual e desenvolve pesquisas na área de Inclusão Social através do Cinema, com foco no estigma da epilepsia.
Ficha do Trabalho
Título
- Uma mulher sob influência: a histeria feminina no cinema
Resumo
- Pretende-se analisar o filme Uma mulher sob influência (1974) de John Cassavetes através da perspectiva das teorias feministas do cinema, para tratar do gênero, os efeitos da diferenciação sexual e as instituições sociais que a cercam com base na representação historicamente demarcada da histeria feminina, afim de discorrer sobre as singularidades da obra e a contribuição do cinema como forma política para discutir questões de gênero.
Resumo expandido
- É com grande frequência que nos deparamos com representações e personagens femininas acompanhadas de denominações relacionadas à histeria e a loucura, em todos os meios de comunicação incluindo o cinema. Essa associação está presente historicamente desde a antiguidade – a histeria é descrita como uma neurose complexa de instabilidade emocional que pode manifestar-se em sintomas físicos como paralisia, cegueira, surdez, perda de autocontrole e pânico extremo, associada diretamente ao útero até o século XIX -, e supostamente acreditava-se ser uma doença peculiar e particular das mulheres, por vezes fruto de seu imaginário desregrado e exagerado; a raiva, o medo, a desobediência eram socialmente indesejáveis em mulheres, que deveriam ser submissas, calmas e pacíficas.
A literatura do século XVII, descrita por Michel Foucault em sua obra A História da Loucura na Idade Clássica (1972), traz explicações de que a doença ataca muito mais as mulheres do que os homens porque elas têm uma constituição mais delicada, menos firme, por levar uma vida mais mole e acostumada as comodidades da vida e a não sofrer. Trazendo um panorama da loucura do período clássico, Foucault conclui que as diversas formas de se perceberem o louco e a loucura dependem das instituições sociais, do reconhecimento que estas empreendem sobre os indivíduos como sujeitos sociais.
Ainda atualmente, o estigma da histeria perdura e se perpetua em nosso cotidiano. Laurie Schapira em 1988 nomeou como Complexo de Cassandra, o sofrimento das mulheres desmerecidas de serem ouvidas e percebidas como irracionais e histéricas simplesmente por serem mulheres, reconhecidas como sensíveis e emotivas, fracas e instáveis, enquanto o masculino representa a razão. É o que ocorre com diversas personagens femininas nos filmes, geralmente mainstream. Elas são rotuladas não só por parte dos outros personagens que compõem a trama, mas também por seus espectadores, relembrando-nos o ensaio de Laura Mulvey. Rótulo ao qual é atribuído ao lugar da mulher pelo sistema sexo-gênero que assimila a diferença sexual ao gênero, e é dessa forma que a história da histeria figura o conjunto de efeitos produzidos pela diferença sexual, com o qual muitas teorias feministas da segunda onda focaram seus estudos.
Nos Estados Unidos, é através do cinema independente que discussões marginalizadas ganham destaque nas décadas de 60 e 70. As produções autorais de John Cassavetes são demarcados pela forte densidade emocional, organicidade e atuações viscerais com personagens profundos e ambíguos, aos quais os atores participam ativamente em sua construção desde sua elaboração como com atuações improvisadas; Cassavetes foge do engessamento da indústria cinematográfica trazendo questões de raça, gênero e das minorias sociais em seus filmes, para tratar dos sentimentos humanos mais profundos e da desintegração de relações sociais consagradas. É a partir dessa estética que emerge a personagem Mabel Longhetti, personagem feminina principal de Uma mulher sob influência, uma mulher esposa e mãe de três filhos que se encontra em crise profunda, julgada como louca e ‘desajustada’ por todos que estão ao seu redor. Mabel deve se ‘ajustar’ ao quê?
Para tratar dessa questão particularmente através do cinema, pretendemos analisar o filme Uma mulher sob influência (1974) de John Cassavetes através das leituras em Laura Mulvey, Teresa de Lauretis e Michel Foucault, verificando a relação da representação de gênero com a histeria e o contexto histórico do filme na conjuntura do cinema independente norte-americano, com foco na personagem Mabel, suas relações familiares e com outras instituições sociais, com o objetivo de discutir as singularidades dessa obra e do cinema como forma política para discutir as questões de gênero.
Bibliografia
- – BUTLER, Judith P. Gender trouble: Feminism and the subversion of identity. Nova York: Routledge, 1990.
– CREED, Barbara. The monstrous- feminine: Film, feminism, psychoanalysis. Nova York: Routledge, 1993.
– DE LAURETIS, Teresa. Technologie of gender: Essays on theory, film and fiction. Bloomington:Indiana University Press, 1989.
– FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
– KAPLAN, E. Ann. Psycho Analysis and the Cinema. Londres: Routledge, 1990.
– MULVEY, Laura. Visual Pleasure and Narrative Cinema. London: Routledge, 1992.
– NAREMORE, James. Acting in the cinema. Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1990.
– SCHAPIRA, Laurie L.Complexo de Cassandra. São Paulo: Cultrix, 1991.