Ficha do Proponente
Proponente
- Fabiana Paula Bubniak (Unisul)
Minicurrículo
- Mestre em Ciências da Linguagem pela Unisul, é graduada em Comunicação Social e Especialista em Comunicação Audiovisual. É professora de Produção Audiovisual do Instituto Federal de Santa Catarina – Câmpus Palhoça Bilíngue (Libras/Português). Sua dissertação de mestrado aborda o Cinema Surdo como uma poética pós-fonocêntrica.
Ficha do Trabalho
Título
- A relativização da fala no filme surdo ucraniano A Gangue
Seminário
- Teoria e Estética do Som no Audiovisual
Resumo
- Este trabalho analisa o filme surdo ucraniano A Gangue dirigido por Myroslav Slaboshpytskiy a partir de conceitos cunhados por Michel Chion como valor agregado e relativização da fala. A Gangue foi lançado em 2014 e conta em seu elenco com atores surdos. Os personagens se expressam na língua ucraniana de sinais e, por escolha do diretor, o filme não possui dublagens ou legendas. Ele não é silencioso, porém a trilha sonora é formada apenas pelos sons do ambiente. Não existe contraponto sonoro nem música que proveja pistas sobre a narrativa. Essa escolha acaba desconstruindo a forma de assistir cinema, transcendendo a linguagem verbal, descentralizando a voz e apresentando uma nova relação com a linguagem.
Resumo expandido
- Para Michel Chion (1994), valor agregado é o valor expressivo e informativo com o qual o som enriquece a imagem de forma que a impressão que se tem é que essa informação já estava naturalmente incluída na imagem. Para agregar valor, esse som não deve ser redundante, é necessária uma “distância metafórica” entre a imagem e o som. Chion afirma também que o valor agregado é aquele da linguagem na imagem, para logo em seguida dizer que o cinema é um fenômeno “vococêntrico”.
Apesar de não ser uma regra, filmes surdos se utilizam frequentemente da língua de sinais. Por se tratar de uma língua visual, ela já é intrínseca à imagem. Poderíamos afirmar que o valor agregado seria o mesmo da fala, ou da escrita. O filme ucraniano A Gangue (2014), entretanto, nos apresenta uma situação diferente. Os personagens se expressam na língua ucraniana de sinais, sem dublagens ou legendas que permitam aos que não são usuários dessa língua compreender literalmente o que está sendo dito. Dessa maneira, o filme transcende a linguagem verbal. Ele não é silencioso, porém a trilha sonora é formada apenas pelos sons do ambiente. Não existe contraponto sonoro nem música que proveja pistas sobre a narrativa.
Ainda para Chion, o cinema contemporâneo busca, cada vez mais, relativizar a fala, o que significa inscrevê-la numa totalidade sensorial, visual que a remove da centralidade da narrativa. Existem algumas maneiras de se fazer isso, uma delas é o uso de uma língua estrangeira que não é entendida pela maioria dos espectadores. Para ele, o uso da língua de sinais no cinema é um paradigma completamente novo, uma “nova forma de encontro entre o mundo sensorial e o registo de palavras” (CHION, 1994). Ele usa o exemplo de Filhos do Silêncio (1986) filme em que a personagem surda se expressa na língua de sinais, porém o tempo todo temos a tradução do que está sendo dito através da voz do seu namorado. Em A Gangue, no entanto, não contamos com esse recurso.
A fala é relativizada durante todo o filme, não só por ser visual mas também por ser em uma língua estrangeira. Quando Chion fala de língua estrangeira, ele está se referindo a uma língua oral. Apesar da língua de sinais entrar nessa categoria, não podemos afirmar que a experiência de assistir a um filme com diálogos oralizados sem legenda é a mesma de assistir a um filme em língua de sinais da mesma maneira. A diferença está em uma característica que é própria da língua de sinais e que a aproxima da linguagem cinematográfica. “Na verdade, quando vistas através da lente da gramática do cinema, as línguas de sinais apresentam uma relação constante de close-ups e planos distantes, repleta de movimentos de câmera e técnicas de edição.” (BAUMAN; MURRAY, 2013) Essa qualidade cinematográfica da língua de sinais é facilmente percebida quando existe o uso de classificadores que são “um tipo de morfema, utilizado através das configurações de mãos que podem ser afixado a um morfema lexical (sinal) para mencionar a classe a que pertence o referente desse sinal, para descrevê-lo quanto à forma e tamanho, ou para descrever a maneira como esse referente se comporta na ação verbal” (CAMPELLO; PIZZIO; QUADROS; REZENDE, 2010). Dessa forma, mesmo um sujeito que não seja usuário da língua de sinais, consegue perceber o contexto de um diálogo. Esse recurso é utilizado em alguns momentos durante o filme.
A escolha por utilizar a língua de sinais em um filme com características marcantes de realismo, como A Gangue, faz com que essa língua, que é visuoespacial, desconstrua a característica vococêntrica do cinema. No entanto, ela não passa a ocupar o centro, que antes pertencia à voz. O que acontece é semelhante ao movimento de desconstrução proposto por Jacques Derrida. Sem a voz, passamos a nos relacionar com a linguagem de uma nova forma, seja ela a cinematográfica ou a verbal (sinalizada).
Bibliografia
- A GANGUE. Direção: Myroslav Slaboshpytskyi. Garmata Film Production. Ucrânia, 2014.
BAUMAN, H-Dirksen; MURRAY, Joseph. Deaf Studies in the 21st Century: “Deaf-Gain” and the Future of Human Diversity. In: DAVIS, Lennard J. The Disability Studies Reader. Nova York: Routledge, 2013. Versão Kindle.
CAMPELLO, Ana Regina e Souza; PIZZIO, Aline Lemos; QUADROS, Ronice Muller de; REZENDE, Patrícia Luiza Ferreira. Língua Brasileira de Sinais III. Florianópolis: UFSC, 2010.
CHION, Michel. Audio-Vision: Sound on Screen. New York: Columbia University Press, 1994.
______. The Voice in Cinema. New York: Columbia University Press, 1999.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 2005
DERRIDA. Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 1973.
FILHOS do Silêncio. Direção: Randa Haines. Psramount Pictures. EUA, 1986.