Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Antonio Marcos Aleixo (FFLCH-USP)

Minicurrículo

    Doutor em “Estudos Linguísticos e Literários em Inglês” (FFLCH-USP)
    Participações na SOCINE:
    2009 – “Nashville: a resistência ao espetáculo a partir da apropriação da técnica expressiva”.
    2010 – “A “Hollywood Rennaissance” e o cinema radical de Robert Altman”.
    2013 – “Hillbilly: a persistência de uma imagem no cinema norte-americano”.
    2015 – “Robert Altman: um Van Gogh lúcido no turbilhão hollywoodiano”.

Ficha do Trabalho

Título

    Convergências com a Psicanálise no foco narrativo de Beleza Americana

Resumo

    Em uma convergência entre a psicanálise e as técnicas analíticas oriundas da crítica de cinema, efetuamos, na presente comunicação, a análise do foco narrativo de Beleza Americana (Sam Mendes, 1999), o qual interpretamos como o resultado formal de um “olhar melancólico”. Nosso objetivo é expor alguns passos dessa análise, de modo a ressaltar um “saber” depositado no ponto de vista que o filme constrói.

Resumo expandido

    Lançado em 1999, Beleza Americana (American Beauty, Sam Mendes) retrata uma classe-média norte-americana constituída por relações inter-subjetivas reguladas a partir de valores componentes de um sistema narcisista ampliado em escala social. A célula dramática do tecido ficcional é uma tríade edipiana clássica (pai-mãe-filha), cuja orientação triangular serve de modelo à disposição das outras peças que adensam o tecido da narrativa. No presente trabalho, proponho discutir este sistema de relações, abordando-o em um movimento que transita da estruturação do ponto de vista narrativo para as formas que ele gera, de modo a trazer à tona uma imagem que, a meu ver, constitui um “saber melancólico”.

    Logo na sequência de abertura, descobrimos que nosso contato com o relato será mediado por uma consciência narrativa. Trata-se de um narrador em primeira pessoa, gozando de um considerável nível de onisciência, o que, no plano formal, está registrado como uma relativa liberdade de movimento de seu olhar e de sua voz “sem corpo” e, no plano temático, por uma posição subjetiva peculiar (a revisão de sua biografia no instante mortal), o que lhe confere um conhecimento privilegiado de sua situação presente e futura.

    A relação que se estabelece entre narrador e espectador, no nível do “contrato de leitura”, se sustenta sobre um mecanismo similar à identificação psíquica, por meio do qual o espectador é levado a adotar o ponto de vista do narrador, assimilando suas impressões, seus afetos e seus julgamentos. No que tange à focalização, o relato em primeira pessoa é fortemente distorcido por “projeções fantasmáticas do narrador”, atualizadas na forma de interpolações de devaneios dramatizados na cadeia de enunciados narrativos e da incorporação de elementos simbólicos e metafóricos (as pétalas de rosa e a onipresença da cor vermelha) na composição visual das cenas.

    A multiplicação de tais projeções opera um deslocamento na esfera de interesse do relato, do conteúdo narrado para a situação narrativa. Ou seja, conforme descobrimos que o narrador não apenas distorce seus enunciados para gratificar suas pulsões, mas também que se encontra em uma situação narrativa precária, na qual essas pulsões se tornaram capazes de exercer uma pressão exigente perturbadora, o espectador vai deslocando sua atenção das imagens e cenas apresentadas para o ponto de vista que as constrói.

    A partir de então, cabe questionar o modo de construção e veiculação desse ponto de vista. Uma hipótese possível é oferecida pela teoria psicanalítica de uma relação de identificação melancólica entre sujeito e objeto: enquanto voz e olhar desancorados, o narrador é sujeito da narração, o eu-épico de onde emana a tessitura ficcional; enquanto personagem central do relato, ele pode ser também objeto da narração, sujeito objetivado. Além disso, na medida em que esse ponto de vista não pode, por conta da “não-confiabilidade” auferida por sua situação, aspirar à neutralidade necessária à representação objetiva, ele deve, necessariamente, produzir uma visão parcial, limitada, distorcida, de objetos e acontecimentos. Isso não significa que seu relato não tenha interesse para o espectador; muito pelo contrário, é justamente por isso que ele pode nos ensinar algo: embora o narrador de Beleza Americana não possa construir uma “ciência” da experiência social norte-americana, se por isso entendermos uma tradução rigorosa e metodológica de objetos cientificamente determinados, ele se empenha em construir um discurso a respeito dessa experiência. Enfim, um discurso que busca apossar-se da experiência inconscientemente vivida, elaborando-a associativamente, de modo a encaminhar uma transformação; eis um sentido em que a Psicanálise utiliza a palavra “saber”.

Bibliografia

    CHATMAN, Seymour. Story and Discourse: narrative structure in fiction and film. New York: Cornell University, 1978.

    CHION, Michel. Audio-Vision: sound on screen. Trad. Claudia Gorbman. New York: Columbia University Press, 1990.

    FREUD, Sigmund. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental (1911). In:_________ O Caso Schreber, Artigos Sobre Técnica e outros trabalhos (1911 – 1913). Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 231 – 244

    FREUD, Sigmund. Luto e Melancolia (1917 [1915]). In:_______ A História do Movimento Psicanalítico, Artigos sobre a Metapsicologia e outros trabalhos (1914 – 1916). Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 243 – 263

    FREUD, Sigmund. Psicologia de grupo e análise do ego (1921). In:________ Além do Princípio de Prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos (1920 – 1922). Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 78 – 154

    LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O Foco Narrativo (ou a polêmica em torno da ilusão). São Paulo: Ática, 2006.