Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Ricardo José Gonçalves Duarte Filho (UFRJ)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema e Audiovisual pela UFPE (2015) e atual mestrando do programa de Comunicação e Cultura da UFRJ, onde desenvolve a pesquisa “Dândis, Drags e Bichas Pintosas: O Camp no Cinema Queer Brasileiro Contemporâneo”. Seu campo de interesse envolve cinema contemporâneo, camp, estética, e estudos queers.

Ficha do Trabalho

Título

    As potências do fútil em “A Seita”

Resumo

    A presente comunicação tem como questionamento a possibilidade da utilização do artifício e do fútil no cinema queer como elementos subversivos, tendo como exemplo central o filme “A Seita” (2015), mas também discutindo outras produções queers brasileiras contemporâneas onde julgo encontrar possíveis ressonâncias estéticas, como “Doce Amianto” (Guto Parente, 2013) e “Como era Gostoso meu Cafuçu” (Rodrigo Almeida, 2015). Parto assim da discussão levantada por Rosalind Galt ao afirmar que “cor, opulência, excesso e estilo são armas estéticas para corpos queer” (GALT, 2015: 60) e da hipótese que esses filmes, ao entregarem-se deliberadamente a “futilidade”, podem ser possíveis ponto de implosões e problematizações de interdições que privilegiam uma estética cinematográfica sóbria e realista, valorização historicamente calcada em discursos que subjugam corpos que saiam do instituído como “normal”.

Resumo expandido

    No mapeamento da sexualidade da sociedade grega no segundo volume de sua História da Sexualidade, Foucault ressalta um ponto bastante interessante levantado pelas discussões morais e filosóficas sobre as relações entre homens: para elas serem “belas” e dignas, necessitariam de comedimento em relação aos prazeres, pois o excesso desses demonstraria um homem domado por suas paixões e anseios. Assim, considerava-se efeminado não aquele que tinha relações sexuais com outro homem, mas sim o excessivo, o que se deixa levar por seus prazeres, incluindo aí também o prazer propiciado por adornos, como o autor ressalta ao escrever que “ninguém é tão severamente condenado como os rapazes (…) por suas posturas, sua maquiagem, seus adornos ou seus perfumes” (FOUCAULT, 1998: 197).
    Avançando temporalmente, encontraremos no relato apócrifo da acusação feita pelo Marquês de Quensberry a Oscar Wilde, ideias ressonantes com os pontos discutidos por Foucault. É acreditado que ele tenha dito ao escritor: “Eu não falo que você é isso, mas você parece isso, e posa como se fosse, o que é tão ruim quanto”. Para o marquês, o fato de Wilde agir como um “pederasta” seria tão grave quanto a ação do sexo em si. Importante ressaltar que ambos os exemplos ocorrem antes da criação do conceito do “homossexual”, portanto demonstram que, antes mesmo da criação do discurso da homossexualidade, a afetação, o excesso e o artificial estiveram e, creio, continuam pejorativamente ligados a uma desvalorização do efeminado. Esses discursos deixam visíveis relações históricas entre o “excesso” e os corpos queers: “posar”, entregar-se aos adornos e ao artifício seria tão condenável quanto “ser”.
    Através desse brevíssimo e pontual esboço genealógico da relação entre futilidade e o efeminado, partirei da afirmação de Rosalind Galt que “cor, opulência, excesso e estilo são armas estéticas para corpos queer” (GALT, 2015: 60). O cinema torna-se então um campo fértil para essas “armas estéticas” por tratar-se de uma arte onde a mise-en-scène é um elemento primordial e cuja função primeira, desde antes da hegemonia do regime narrativo, é “fazer ver” e de causar o maravilhamento do seu público através de suas imagens (GUNNING, 2006). O seguinte trabalho almeja, então, traçar possíveis leituras do cinema queer produzido no Brasil na última década, onde percebo o uso de escolhas estéticas e narrativas em filmes como “Doce Amianto” (Guto Parente, 2013), “Como era Gostoso meu Cafuçu” (Rodrigo Almeida, 2015) e “A Seita” (André Antônio, 2015) como possíveis formas de vislumbrar uma potência subversiva do fútil e do estilo, voltando-se, para tal, especialmente a “A Seita”, visto como possível exemplo centralizador das ideias e conceitos aqui discutidos.
    O filme se passa em um futuro distópico, onde os habitantes mais abastados de Recife abandonaram a cidade para viver em “colônias espaciais”, um dos moradores das colônias decide então retornar para a cidade, onde passa seus dias lendo, flanando pelas ruínas e fazendo sexo casual com homens que encontra em suas andanças. A ação e a narrativa são escassas, pois o essencial ao filme é sua superfície: os cenários, as cores, as roupas, as cortinas, as louças etc. Importante notar que o filme também trata, diretamente, de tópicos marcadamente políticos, com questões caras ao cinema brasileiro contemporâneo, como a especulação imobiliária e a gentrificação urbana. Porém, defendo que sua principal força estética-política é de suscitar novas questões e deslocamentos, ao demonstrar que o estilo e o artifício podem ser utilizados como elementos subversivos. Portanto, o artigo parte do pressuposto que esses filmes, ao entregarem-se deliberadamente a “futilidade”, podem ser possíveis ponto de implosões e problematizações de interdições que privilegiam uma estética cinematográfica sóbria e realista, valorização historicamente calcada em discursos que subjugam corpos que saiam do instituído como “normal”.

Bibliografia

    DYER, Richard. The culture of queers. London: Routledge, 2002.
    FOUCAULT, Michel. História da sexualidade, volume 2: O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
    GALT, Rosalind. Lindo: teoria do cinema, estética e a história da imagem incômoda. Revista ECO-Pós, v 18, n 3, 42-65. 2015
    GUNNING, Tom. The cinema of attractions: early film, its spectator and the avant-garde. In. STRAUVEN, Wanda. (org). Cinema of attractions reloaded. Amsterdam University Press, 2006.
    HALPERIN, David M. Saint Foucault: Toward a Gay Hagiography. Oxford: Oxford University Press, 1995.
    HALPERIN, David M. How to be gay. Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press, 2012.
    LOPES, Denilson. O homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002
    PRYSTHON, Angela. Utopias da frivolidade. Recife: Cesárea, 2014.