Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Kitofi Tonelo (UNICAMP)

Minicurrículo

    Gabriel Tonelo é pesquisador em Cinema Documentário e documentarista. Graduou-se em Midialogia pela Universidade Estadual de Campinas (2009), onde também concluiu o Mestrado em Multimeios (2012). Atualmente realiza o doutoramento pelo mesmo programa. Realizou entre 2015 e 2016 estágio de pesquisa no departamento Visual and Environmental Studies (VES) da Harvard University (Cambridge, EUA).

Ficha do Trabalho

Título

    A Encenação-Direta em Documentários Autobiográficos

Resumo

    A apresentação tratará de particularidades do conceito de encenação-direta em documentários autobiográficos. Apontamos que neste tipo de filme os laços afetivos que regem o trato entre cineasta e personagem (como familiares ou amigos), no momento da captação da tomada, transbordam e flexionam a encenação a partir de nuances distintas. Vínculos emocionais, câmera, realizador e personagem constituem uma atmosfera particular que se torna a matéria-prima dos filmes que serão apresentados.

Resumo expandido

    Abordaremos a maneira através da qual determinadas narrativas documentárias autobiográficas apresentam um flexionamento particular do conceito de encenação no Cinema Documentário, em especial em relação à ideia de “encenação-direta”. Entendemos “encenação-direta”, com base em Fernão Pessoa Ramos (2014, p. 145), como a da ação dos corpos soltos no mundo, inseridos em uma circunstância particular da tomada, influenciada pelo sujeito-da-câmera, cuja intervenção flui paralelamente à indeterminação e à ambiguidade do mundo. A encenação-direta implica e prevê o movimento dos corpos e a interação entre eles e em relação aos elementos que compõem a circunstância da tomada – entre estes elementos, a figura do próprio realizador e seu aparato fílmico.

    A partir da década de 1970, diversos cineastas realizaram narrativas documentárias autobiográficas partindo da metodologia e da valoração ética do Cinema Direto/Verdade e de seus desdobramentos. Neste momento, a figura individual do diretor, frequentemente inserido em uma esfera doméstica e familiar, passava a fazer parte do eixo temático dos filmes. Da mesma forma, intensificavam-se procedimentos narrativos que demarcavam a presença do realizador no momento da tomada e sua interação com os corpos em cena.

    Neste tipo de documentário, as pessoas que estão diante do realizador e de sua câmera, seus “personagens”, são muito frequentemente pessoas com quem este mantém um vínculo afetivo: sua própria família, como pai, mãe, irmãos e filhos ou indivíduos que fazem parte de seu círculo social, como amigos próximos ou colegas de trabalho. Os autores John Stuart Katz e Judith Katz (1988) apontam que as narrativas dos documentários autobiográficos são construídas, desde o momento da tomada fílmica, a partir de níveis pré-estabelecidos de confiança e intimidade entre cineasta e seus “objetos” que não são alcançados, e nem mesmo buscados, em outros tipos de documentário.

    Buscaremos sustentar, portanto, que a encenação neste tipo de narrativa documentária autobiográfica é regida por uma qualidade especial da relação entre os corpos em cena e o sujeito-da-câmera, personificado pela figura individual do cineasta. Por exemplo, o tête-à-tête de um realizador com um pai severo ou ausente pode evocar a relação de respeito, decoro, recato ou autoridade existente entre eles. Da mesma forma, a tomada de um realizador diante de um filho pequeno, que pode ser afetada pelo sentimento de afeto, carinho ou cuidado. Nestes casos, a exposição dos corpos em cena ao sujeito-da-câmera é matizada pelo laço afetivo entre as partes, que transborda e flexiona a encenação a partir de nuances diferenciadas. Esta noção vai ao encontro de ideias como as da teórica Susanna Egan (1994, p. 607), que sustenta que nos documentários autobiográficos “a intensidade emocional deriva, desta forma, do momento vivido pré-filmico” ,ou do desdobramento da noção de Etnografia Doméstica cunhada por Michael Renov, que aponta que “O objeto do etnógrafo doméstico existe apenas diante das suas relações constitutivas com seu criador”. (2004, p.219).

    A exploração da relação particular entre cineasta e personagem no momento da tomada a partir da encenação-direta firma-se como a matéria-prima narrativa de diversos documentários autobiográficos. O debate acerca deste tipo de encenação funda-se na experiência do MIT Film Section e no desenvolvimento do documentário autobiográfico de Cambridge, como é o caso da obra de cineastas como Ed Pincus (Diaries [1971-1976], 1980), Ross McElwee (Sherman’s March e filmes posteriores), Nina Davenport (First Comes Love, 2013), entre outros. Este debate também permeia de maneira significativa filmes de cineastas diversos como Tom Joslin (Silverlake Life: The view from Here, 1993) e Maria Clara Escobar (Os Dias Com Ele, 2013). Abordaremos algumas das particularidades da encenação-direta nos documentários autobiográficos a partir destes e outros exemplos.

Bibliografia

    EGAN, Susanna. Encounters in Camera: Autobiography as Interaction. Modern Fiction Studies 40.3. p. 593-618, 1994
    KATZ, John Stuart and KATZ, Judith Milstein. “Ethics and the Perception of Ethics in Autobiographical Film,” in Image Ethics, Larry Gross (ed.). New York: Oxford University Press, 1988.
    MACDONALD, Scott. American Ethnographical Film and Personal Documentary: the Cambridge turn. Londres e Los Angeles: University of California Press, 2013.
    PINCUS, Ed. “New Possibilities in Film and the University”. Quarterly Review of Film Studies, Vol.2(2), p.159-178. 1977
    RAMOS, Fernão Pessoa. What is documentary mise-en-scène? Coutinho’s mannerism and Salles’s ‘mauvaise conscience’, Studies in Documentary Film, 8:2, 143-155. 2014
    RENOV, Michael. The Subject of Documentary. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2004
    ROTHMAN, William. “Eternal Vérités” in WARREN, Charles (org.), Beyond Document: Essays in Nonfiction Film. Hanover: N.H. Wesleyan: UP/UP of New England, 1996.