Ficha do Proponente
Proponente
- Eduardo Paschoal de Sousa (ECA/USP)
Minicurrículo
- Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) na Linha de Pesquisa “Cultura Audiovisual e Comunicação”.
Ficha do Trabalho
Título
- As proximidades do ensaio em “Diego Velázquez ou le réalisme sauvage”
Resumo
- O presente artigo busca analisar como a obra “Diego Velázquez ou le réalisme sauvage” (Karim Aïnouz, 2015) se aproxima de um território do filme-ensaio, mais que das características clássicas do filme documentário. Para isso, recupera alguns conceitos acerca do documentário e também do documental como filme de arte, do próprio filme-ensaio e de um cinema híbrido que fundamenta sua composição narrativa em um discurso mais subjetivo, próximo da construção poética.
Resumo expandido
- As pinturas do espanhol Diego Velázquez pairam na tela como paisagens. São reveladas em minúcias, por sucessivas aproximações e movimentos de câmera que mostram o craquelado da tinta à óleo, os detalhes de luz e sombra. Uma voz over conduz a pista sonora, descrevendo as telas para além do que se vê, aproximando seu discurso de uma poesia de impressões, enquanto contextualiza a vida do pintor e suas fases artísticas.
O filme Diego Velázquez ou le réalisme sauvage (2015), do diretor brasileiro Karim Aïnouz, é um documentário denso, que utiliza a plasticidade da obra de arte com a profundidade da poesia e do ensaio na narrativa. Ao unir quadros de Velázquez a paisagens atuais e deslocamentos contemporâneos, que algumas vezes ganham textura com a granulação da imagem, busca recriar o contexto das obras e atualizar as impressões do espectador, usando da linguagem cinematográfica para expandir a obra de arte.
O presente artigo busca analisar o longa como um documentário que se aproxima mais de um cinema de impressões que das características clássicas documentais – abordadas em profundidade por Nichols (2005), Ramos (2008) e Gauthier (2011) – gerando uma obra híbrida, muito próxima do filme-ensaio.
A ideia de filme-ensaio parte primeiro do conceito de ensaio derivado da literatura. É, segundo Machado (2003:64), uma “certa modalidade de discurso científico ou filosófico, geralmente apresentado em forma escrita, que carrega atributos amiúde considerados ‘literários’”. O autor elenca como características próprias a esse tipo de texto a subjetividade no enfoque do tema tratado, deixando claro quem é o sujeito que fala, de onde se constrói o enunciado; a eloquência da linguagem e a consequente preocupação com o texto e sua expressividade; e a liberdade do pensamento, que trata da produção do discurso como uma criação, ao invés de uma simples cadência de ideias. Dessa forma, o ensaio se distanciaria dos relatos científico e acadêmico, em que a linguagem atua como instrumento para transmissão de uma ideia, ou ainda do tratado, que busca uma organização de um campo do conhecimento.
A essas características, López (2015:52) acrescenta que é particular ao ensaio a narrativa fragmentada, não-linear e com múltiplos níveis de sentido. Também é típico do ensaio um estilo híbrido, no emprego de diferentes meios e formas, uma visão subjetiva que se aproxima mais do sonho e da imaginação que da objetividade narrativa.
Ao analisar com o ensaio chega ao cinema, Gervaiseau (2015:97) faz uma retrospectiva desse conceito, primeiro com Montaigne, um dos primeiros teóricos a sistematizar o que seria o estilo ensaístico e para quem a definição da palavra ensaio é, em última instância, uma experiência: “o ensaio é análise, demonstração, ponderação, avaliação (…), mas igualmente e, sobretudo, um colocar em palavras essa experiência”. O autor retoma esse conceito também em Adorno, para quem o ensaio é a grande forma de expressão que a palavra pode alcançar. É esse estilo que “coordena elementos, ao invés de subordiná-los”.
Stam (2015:123) também cita Montaigne e Adorno quando trata sobre o tema, mas sintetiza que uma das características mais significativas do ensaio clássico, é uma liberdade de invenção, “que possibilita a indulgência em uma estética digressiva na qual preocupações superficialmente periféricas ao tópico assumam o primeiro plano”, ou seja, há uma alteração na maneira hierarquizada de narrar. No ensaio, todos os pontos de uma ideia ganham o mesmo peso interpretativo, ainda que não estejam no cerne da questão tratada.
Analisaremos como essas características do ensaio fílmico estão presentes no documentário de Aïnouz e se tornam o centro da narrativa, fundamentais para a construção da diegése na obra e da sensação de experiência do espectador com o filme e, em maior profundidade, com a própria obra de Velázquez.
Bibliografia
- AUMONT, J. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
FURTADO, B. “O documentário com obra de arte”. In: Imagem contemporânea. São Paulo: Hedra, 2009.
GAUTHIER, G. O documentário: um outro cinema. Campinas: Papirus, 2011.
GERVAISEAU, H. A. “Escrituras e figurações do ensaio”. In: TEIXEIRA, F. E. (org.). O Ensaio no Cinema. São Paulo: Hucitec, 2015.
LÓPEZ, A. W. “Um conceito fugidio. Notas sobre o filme-ensaio”. In: TEIXEIRA, F. E. (org.). O Ensaio no Cinema. São Paulo: Hucitec, 2015.
MACHADO, A. “O filme-ensaio”. In: Revista Concinnitas. Ano 4, v. 5, 2003.
NICHOLS, B. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.
RAMOS, F. P. Mas afinal… o que é mesmo documentário?. São Paulo: Editora Senac, 2008.
STAM, R. “Do filme-ensaio ao mockumentary”. In: TEIXEIRA, F. E. (org.). O Ensaio no Cinema. São Paulo: Hucitec, 2015.
XAVIER, I. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.