Ficha do Proponente
Proponente
- Marco Túlio de Sousa Ulhôa (UFF)
Minicurrículo
- Doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense, na linha de pesquisa de Estudos de Cinema de Audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- A imagem e as figurações do sensível na obra de Miguel Rio Branco
Seminário
- Interseções Cinema e Arte
Resumo
- O trabalho analisa o curta-metragem Nada Levarei Quando Morrer, Aqueles que a mim Deve Cobrarei no Inferno (1985), do fotógrafo e artista plástico, Miguel Rio Branco. Ao retratar a dimensão simbólica do espaço público e dos aspectos da vida social da comunidade situada no bairro do Maciel, na região do Pelourinho, em Salvador, a obra de Miguel Rio Branco realiza, através da construção de um regime de visibilidade condicionado pela imagem fotográfica e cinematográfica, uma penetração nas questões ontológicas que caracterizam a relação entre a dinâmica histórica, como exercício de escrita da memória e manutenção do discurso religioso, e a inscrição de uma ordem profana produzida por meio dos excessos evidentes na ação e na figuração dos corpos, da violência e do erotismo. Para isso, aborda-se a opção estética do artista pelos elementos da arte barroca, como traço histórico e mitológico de uma genealogia cultural e de um discurso de resistência próprios à comunidade retratada.
Resumo expandido
- Ampliando as interrogações sobre as interdições entre a política e a teologia, existentes nas teses sobre o conceito de história de Walter Benjamin, o trabalho analisa o curta-metragem Nada Levarei Quando Morrer, Aqueles que a mim Deve Cobrarei no Inferno (1985), do fotógrafo e artista plástico, Miguel Rio Branco. Composta pela junção de tomadas realizadas em película 16mm com as fotografias da série Maciel, registradas pelo artista em 1979, no bairro do Maciel, parte integrante da região do Pelourinho, em Salvador, o filme, montado em 1985, foi exibido inicialmente no circuito de festivais de cinema, antes de ser tornar uma das obras que integram as exposições do artista, como material projetado no espaço das galerias. Suscitando a resistência da organização social e dos valores afetivos da comunidade retratada, o trabalho documental de Miguel Rio Branco realiza uma valiosa investigação sobre o corpo coletivo da região do Pelourinho no final da década de 1970 operando, quase quatro décadas depois, como um importante registro da memória local e da vida dos seus habitantes, em meio ao cenário de degradação e ruína do patrimônio histórico da cidade de Salvador.
A série de visitas realizadas por Miguel Rio Branco ao bairro do Maciel são fruto do intuito do artista em estabelecer contato com seus habitantes, oferecendo em troca do direito de fotografá-los, seus retratados montados como monóculos. Um código de permuta que remonta às origens da fotografia. Com a sua inserção na esfera íntima dos personagens retratados, Miguel Rio Branco buscou realizar um registro documental que evidenciasse no corpo das imagens, como forte indício do seu posicionamento ético e estético, a sua posição de envolvimento com a cena registrada. Como resultado, temos imagens que revelam a visão parcial do artista sobre as práticas sociais e as suas inscrições nos corpos dos personagens, ampliando as dimensões dos espaços público e privado. Propondo uma possível medida comum entre essas práticas e as inscrições que figuram do retrato da prostituição e da violência à degradação material e imaterial da região do Pelourinho, Miguel Rio Branco estabelece uma delicada conexão entre a condição de marginalidade e o processo de produção da mesma. Com isso, o artista estende uma tênue e paradoxal linha histórica que expõe tanto a condição do negro de sujeito da violência colonial à fruto do descaso do estado moderno; por sua vez, apresentando um cenário de degradação imediatamente relativo aos anos que precederam o fim do período militar brasileiro; quanto a premência de um sentido antinormativo implícito nas práticas da comunidade retratada. O que, no entanto, permite que uma relação entre a função heterogênea dos elementos de resistência existentes na obra e o corpo documental do processo de escrita realizado por Miguel Rio Branco possa ser estabelecida como aspecto de uma conotação política, nesse caso, própria ao campo das artes.
Partindo, portanto, da opção de Miguel Rio Branco pela apropriação do signo do barroco – evidente em outras obras do artista e na montagem final do curta aqui analisado, onde vemos as imagens da Igreja de São Francisco acompanhadas pela música de Bach – é possível que aqui sejam abordadas não só a importância histórica e cultural do tema, mediante as singularidades das suas impostações no campo das artes do pensamento na América Latina, como também a entrada que este nos permite às intrincadas relações entre a política e a religião. Para isso, o barroco é tomado no seio da obra de Rio Branco, tanto como um importante ponto ligação do seu trabalho com as críticas americanista e decolonial, quanto como parte de um discurso de fundo mitológico, segundo o qual, os elementos da tradição retórica do barroco são expostos sob um outro pacto cultural e religioso. Por fim, o trabalho analisa o estatuto da imagem de Miguel Rio Branco, vislumbrando a ação temporal e sensível de imagens sem ponto fixo entre o cinema e as artes plásticas.
Bibliografia
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