Ficha do Proponente
Proponente
- Claudio Roberto de Araujo Bezerra (UNICAP)
Minicurrículo
- Doutor em Multimeios (UNICAMP) e Mestre em Comunicação (UFPE). Professor da Universidade Católica de Pernambuco, integra o grupo de pesquisa Mídia e Cultura Contemporânea, onde desenvolve pesquisas sobre documentário e história e estética audiovisual. Publicou A personagem no documentário de Eduardo Coutinho (Papirus, 2014), O documentário em Pernambuco no século XX (FASA, 2016), Tejucupapo – História, Teatro, Cinema (Bagaço, 2004) e Transgressão em 3 Atos: nos abismos do Vivencial (FCCR, 2011).
Ficha do Trabalho
Título
- O documentário etnográfico de Fernando Spencer: primeiras impressões
Resumo
- Esta comunicação discute a etnografia fílmica do jornalista, crítico e cineasta pernambucano, Fernando Spencer. Parte-se do pressuposto de que mesmo não sendo um etnógrafo no sentido stricto do termo, o diretor praticava uma espécie de etnografia intuitiva, atravessada por afetos. Mesmo apresentando certo rigor da pesquisa historiográfica, tão comum ao documentário tradicional do tipo sociológico, os filmes de Spencer apresentam uma abordagem mais poética e em alguns casos até experimental.
Resumo expandido
- O jornalista, crítico e cineasta Fernando Spencer, falecido em 2014, é um dos nomes mais significativos do audiovisual pernambucano. Responsável pela preservação e recuperação da memória do Ciclo do Recife, Spencer também teve um papel essencial em diversas frentes no que concerne a produção cinematográfica no estado. Por quatro décadas, atuou como jornalista no Diário de Pernambuco noticiando e debatendo a cinematografia internacional, brasileira e local, tornando-se um dos principais divulgadores e incentivadores da realização de filmes de curtas-metragens.
Spencer ainda criou a Revista da Tela (1961), um programa de rádio (Filmelândia) e outro de televisão (Falando de Cinema) dedicados à cinematografia. Foi também programador das sessões do Cinema de Arte do Recife, ao lado do também crítico e cineasta Celso Marconi, e durante as décadas de 1980 e 1990 dirigiu a Cinemateca da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Como cineasta, Fernando Spencer foi uma figura de destaque no chamado Ciclo do super 8, nos anos 1970, quando dirigiu 21 curtas. Mas sua vasta filmografia, em torno de 40 títulos, contempla também as bitolas de 16 e 35mm e o vídeo.
Embora tenha realizado filmes de ficção, Spencer firmou-se como um importante documentarista da cultura pernambucana e nordestina, abordando as tradições populares, os costumes e as personalidades culturais do estado e da região em obras reconhecidas e premiadas, como Valente É o Galo (1974), Adão Foi Feito de Barro (1978), Noza – santeiro do Carirí (1979), Capiba, ontem, hoje e sempre (1984) e Evocações…Nelson Ferreira (1987), entre muitas outras. Como observa o crítico Alexandre Figueirôa (2000, p. 96): “Em seu conjunto a obra de Spencer é digna de elogios, principalmente no que diz respeito à documentação das manifestações culturais pernambucanas. Autodidata e apaixonado pelo cinema, ele conquistou vários prêmios e isso é prova do valor do seu trabalho.”
Esta comunicação tem como finalidade discutir a etnografia fílmica de Fernando Spencer. Parte-se do pressuposto de que mesmo não sendo um etnógrafo no sentido stricto do termo, o diretor praticava uma espécie de etnografia intuitiva, atravessada por afetos. Mesmo apresentando certo rigor da pesquisa historiográfica, tão comum ao documentário tradicional do tipo sociológico (Bernardet, 2003), os filmes de Spencer têm uma abordagem mais poética e em alguns casos até experimental. Pretende-se aqui apontar e analisar algumas das principais características dessa “etnografia intuitiva”, relacionando-a a alguns dos principais realizadores e teóricos do filme etnográfico, em particular, Jean Rouch.
Em linhas gerais, trata-se de uma etnografia que investe muito mais no observar e mostrar do que no método etnográfico mais convencional, de observar e descrever. A locução clássica está presente em quase todos os seus documentários, introduzindo e contextualizando a origem do fenômeno documentado. Mas não é uma locução meramente descritiva. Muitas vezes o texto é poético ou apresenta licenciamentos poéticos, com citações de trechos de poemas. Além disso, as locuções ocupam, em média, um quarto do tempo de duração dos filmes.
Outra característica dos documentários etnográficos de Spencer é o uso constante da música, seja como elemento extra ou intra-diegético, reforçando a dimensão poética de sua abordagem dos temas relacionados aos costumes e tradições populares. Mas a “etnografia intuitiva” de Fernando Spencer investe também na força expressiva da imagem, não tanto com a função de comunicar, mas sim para despertar um engajamento emocional do espectador. É como se o cineasta-espectador quisesse transmitir e nos levar ao encantamento que, de algum modo, deve ter sentido ao filmar, sobretudo, as diferentes manifestações da cultura popular.
Bibliografia
- BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.
BEZERRA, Cláudio; FIGUEIROA, Alexandre. O documentário em Pernambuco no século XX. Recife: FASA/MXM, 2016.
COSTA, José Manuel, OLIVEIRA, Luís Miguel [et al.]. Jean Rouch. Lisboa: Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, 2011.
FIGUEIRÔA Alexandre. O cinema super 8 em Pernambuco. Recife: Edições Fundarpe, 1994.
FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema pernambucano: uma história em ciclos. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000.
FREIRE, Marcius. Documentário – ética, estética e formas de representação. São Paulo: Annablume, 2012.
GRIERSON, John. Princípios iniciais do documentário, in PENAFRIA, Manuela (org.). Tradição e reflexões: contributos para a teoria e estética do documentário. Covilhã: Livros Labcom, 2011, p.5-18.
ROUCH, Jean. O filme etnográfico, in: LABAKI, Amir. A verdade de cada um. São Paulo: Cosac Naify, 2015, p.66-102.