Ficha do Proponente
Proponente
- Juliana Froehlich (UA/CAPES)
Minicurrículo
- Juliana Froehlich é doutoranda e bolsista CAPES em Film Studies na University of Antwerp, Bélgica, onde pesquisa a herança da vanguarda europeia e do filme de vanguarda no cinema brasileiro através das artes visuais. Faz parte do grupo de pesquisa Visual and Digital Cultures Research Center (ViDi) na mesma Instituição. Possui mestrado em Estética e História da Arte pela Universidade de São Paulo no PGEHA- MAC e é Psicóloga e bacharel em psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.
Ficha do Trabalho
Título
- A “quebra” do quadro e o corpo abstrato em O Pátio (1959)
Resumo
- O Pátio (1959), de Glauber Rocha, explora dois corpos, um masculino e um feminino, que se movem sobre um piso de formas geométricas (quadrados) ao mesmo tempo em que interagem entre si e com elementos que os envolvem, como plantas e a linha do horizonte. Assim, a partir das relações entre corpo e elementos da paisagem trabalhados pelo (des)enquadramento e pela montagem do curta, pretende-se fazer uma análise à luz das proposições do Grupo Frente e do movimento Neoconcreto, ambos de raiz abstrata, de modo que se possa estabelecer convergências entre o filme e as obras de arte visuais.
Resumo expandido
- Três proeminentes artistas do Grupo Frente e do movimento Neoconcreto, Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica, caminharam paralelamente com suas produções entre a década de 1950 e meados de 1970. Entre as principais propostas desses artistas durante o Grupo Frente, destaca-se a quebra da moldura do quadro e a inserção da pintura no espaço, como apontava Piet Mondrian, uma das referências do grupo: “Pelo que sei, fui o primeiro a colocar a pintura na frente da moldura, em lugar de colocá-la dentro dela” (MONDRIAN, 1999, p. 368). Tal projeto, de raiz abstrata, referente ao limite dado pela moldura continua presente nas obras dos artistas no movimento Neoconcreto. E, assim que a pintura adentra o espaço, o corpo, tanto do artista quanto do espectador, é convocado a constituir as obras de arte. Na obra abstrata neoconcreta as linhas e cores rompem o limite do quadro conquistando o espaço habitado pelo corpo. O filme O Pátio se aproxima das obras e projetos desses três artistas no que diz respeito ao pensamento da abstração e da organicidade da expressão de planos, especificamente, à quebra da moldura, à abstração de partes que constituem um todo e à relação do corpo inserido na obra e no espaço como parte do mesmo “mundo”(Merleau-Ponty, 2004).
No curta, o quadro, elemento mínimo do cinema e limite formal dado pela câmera, é diluído em quadrados pretos e brancos. A forma que enquadra é (re)vista, não só pelas formas geométricas, mas também pelos dois corpos que se movem em meio ao quadriculado e são recortados pelos “limites” do quadro. Logo, a câmera que limita é a câmera que desenha linhas por vezes retas e por vezes vivas. Os corpos exploram o quadro, habitam suas margens e nelas rastejam. O mesmo quadro que enquadra, desenquadra. A montagem, ao relacionar linhas retas com as linhas orgânicas do corpo e da paisagem, e ao infinito da linha do horizonte, expande o quadro delineando um espaço. “Mais plus il (le cadre) est ténu, mieux le hors-champ réalise son autre fonction, qui est d’introduire du trans-spatial et du spirituel dans le système qui n’est jamais parfaitement clos. (DELEUZE, 1983, p.31). Ou seja, quanto mais os corpos ocupam os limites do quadro, mais amplo se torna o espaço que eles ocupam. Entre (des)enquadramentos e montagem os elementos dos corpos se integram ao mesmo espaço que habitam e nele se expressam. “O corpo é para a alma seu espaço natal e a matriz de qualquer outro espaço existente.” (Merleau-Ponty, 2004, p. 31)
Portanto, em consonância particularmente com o neoconcretismo, O Pátio desenvolve a expressão pela forma, o conceitual pelo sensorial e nos apresenta que os mesmos corpos que se veem e se buscam, se tocam. Do modo análogo, o neoconcretismo em seu manifesto escrito por Ferreira Gullar em 1959 e assinado pelos artistas, fundamenta-se na arte abstrata de vanguarda, como a de Mondrian e na fenomenologia de Merleau-Ponty, em busca de uma arte expressiva que insere o corpo em sua experimentação. Gullar escreve: “Não concebemos a obra de arte nem como ‘máquina’ nem como ‘objeto’, mas como um quase-corpus, isto é, um ser cuja realidade não se esgota nas relações exteriores de seus elementos; um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica” (Gullar, 1959/1977, p. 82).
A arte não-figurativa se aproxima do filme não-narrativo, eles se tocam naquilo que pertence ao pensamento do “real”. O abstrato não é menos real que o figurativo, assim como o filme narrativo não contempla mais a realidade do que o filme abstrato. “Figurativa ou não, a linha em todo caso não é mais imitação das coisas, nem coisa.” (Merleau-Ponty, 2004, p. 40).
Por fim, o filme é anunciado nos créditos como experimental, caráter que Hélio Oiticica vislumbra em sua obra a partir de 1959. “em suma o experimental não é ‘arte experimental’. os fios soltos do experimental são energias q (sic) brotam para um número aberto de possibilidades” (Oiticica, 1972, p.5, grifos do autor).
Bibliografia
- AMARAL, A (Ed.). Projeto construtivo na arte brasileira: (1950-1962). RJ: Museu de Arte Moderna; SP: Pinacoteca do Estado, 1977.
BRITO, R. Neoconcretismo: Vértice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro. RJ: Funarte, 1985.
CLARK, L. A morte do plano. 1960. Disponível em: http://www.lygiaclark.org.br.
DELEUZE, G. L’image-mouvement. Paris: Minuit, 1983.
MACHADO Jr., R. ‘O Pátio e o cinema experimental no Brasil: Apontamentos para uma história.’ In: CASTELO BRANCO, EDWAR DE ALENCAR. (org.). História, cinema e outras imagens juvenis.Teresina: EDUFPL,2009.
MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito. São Paulo, SP: Cosac & Naify, 2004.
MONDRIAN, P. Realidade Natural e Realidade abstrata. In: CHIPP, H.B. Teorias da arte moderna. SP: Martins Fontes, 1999., p.324-327.
OITICICA, H. Experimentar o Experimental. 1972.Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/programaho/
WAGNER, J.A.S. “O construtivismo de Glauber”. In: Folha de S. Paulo, 2/3/1983.