Ficha do Proponente
Proponente
- Bertrand de Souza Lira (UFPB)
Minicurrículo
- Graduado em Comunicação Social, mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPB e doutor em Ciências Sociais pela UFRN. Autor dos livros Luz e Sombra: significações imaginárias na fotografia do cinema expressionista alemão (2013) e Cinema noir: a sombra como experiência estética (2016). Cineasta, é professor efetivo Departamento de Mídia Digitais e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação-PPGC/UFPB e coordenador do Grupo de Estudos em Cinema e Audiovisual (Gecine).
Ficha do Trabalho
Título
- A presença da ética modesta no cinema direto paraibano dos anos 1980
Resumo
- No início da década de 1980, a estilística do cinema direto ganha força na Paraíba com a instalação dos ateliês Varan em João Pessoa e a vinda de documentaristas franceses para a formação de jovens realizadores. Nossa proposta é analisar o curta Sagrada Família (Everaldo Vasconcelos, 1981), que inaugura a ética modesta no cinema documental paraibano ao apontar sua câmera não para um Outro distante, mas para a intimidade do próprio realizador, numa imersão dolorosa no seu universo familiar.
Resumo expandido
- No limiar dos anos 1980, com a criação do Núcleo de Documentação Cinematográfica da Universidade Federal da Paraíba (Nudoc), tem início uma série de oficinas promovidas pelos Ateliers Varan de Paris, idealizados por Jean Rouch em diversas partes do mundo. Na Paraíba, o acordo entre a UFPB e a Association Varan de Paris promoveu esse intercâmbio que resultou na vinda de documentaristas franceses à cidade de João Pessoa, capital do estado, com a finalidade de formar pessoal para o uso do cinema documental e na ida de estagiários à Paris para aperfeiçoamento. O primeiro Atelier Varan aconteceu no primeiro semestre de 1981. Sua metodologia era movida pela difusão entre nós da estética do cinema direto e seus procedimentos de representação do real. Ao afinal de cada ateliê, cada participante deveria apresentar um documentário de curta-metragem que abordasse qualquer tema de sua realidade. O contexto era o da distensão política após o país ter vivido quase duas décadas de Ditadura Militar. Os temas dos documentários resultantes, na sua maioria, gravitavam em torno de temas sociais mais abrangentes, mesmo quando tratados através de um personagem. Desse primeiro ateliê saíram os documentários Sagrada Família, de Everaldo Vasconcelos, (Tá na Rua, de Henrique Magalhães; Seca, de Torquato Joel; É Romão praqui, Romão pracolá, de Vânia Perazzo; Mestre de obras, de Newton Araújo; e Perequeté, de Bertrand Lira. Todos esses filmes tinham em comum um conjunto de procedimentos estilísticos que primava pela intervenção no real, com a interação do realizador (o sujeito-da-câmera) com os atores sociais (sujeitos representados no filme) e o que desse encontro advinha, enquanto obra cinematográfica documental. A tecnologia utilizada na captura de som e imagem em sincronia, ainda uma novidade naquele momento, era a câmera Super-8mm difundida pelos Ateliers Varan através do Nudoc. De manuseio simples, permitindo a entrada de microfone, o Super-8 proporcionou uma relativa democratização dos meios de produção. A nossa análise terá como foco o filme Sagrada família (Everaldo Vasconcelos, 1981) que, curiosamente pautado nos preceitos do cinema direto, experimentou um modo de abordagem que Ramos (2008) chama de ética modesta, onde o cineasta restringe o campo temático à sua própria existência, sendo ele mesmo tema do próprio documentário. Para Nichols (2005), o documentário performático, surgido na década de 80, enfatiza a objetividade numa esfera tradicionalmente pautada pela objetividade, com o mundo histórico sendo tematizado a partir da experiência pessoal do cineasta. A escolha temática de Everaldo Vasconcelos e sua abordagem foi inteiramente espontânea e pioneira, acredito que não só na Paraíba como também no contexto da produção documentária brasileira visto que os Ateliers Varan não nos proporcionaram contato com esse tipo de abordagem, até porque os primeiro filme nesse estilo, informa Nichols (2005), data de meados a final da década de 1980: Forest of bliss (Robert Gardner, 1985), Looking for Langston (Isaac Julien,1988), Who Killed Vincent Chin? (Chris Choy e Renne Tajima, 1988) e Línguas desatadas (Marlon Riggs, 1989). No Brasil, dois representantes da estilística predominantemente performática foram produzidos nos anos 2000: Um Passaporte Húngaro (Sandra Kogut, 2003) e 33 (Kiko Goifman, 2004), que Bernadet (2005) denomina de documentários de busca e Michael Renov (2005) de autobiográficos, isto é, filmes que têm como tema seus próprios realizadores, ou o seu universo particular, o caso de Everaldo Vasconcelos em Sagrada família, que faz uma imersão dolorosa no universo doméstico ao apontar, de forma corajosa, sua câmera para a intimidade do seu próprio lar.
Bibliografia
- AMORIN, Lara e FALCONE, Fernando Trevas (Orgs.). Cinema e Memória: o super-8 na Paraíba nos anos 1970-1980. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013.
BERNADET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
_____________________ Documentários de busca: 33 e Passaporte húngaro. In: MOURÃO, Maria Dora e LABAKI, Amir (Orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
ARAÚJO, Juliana e MARIE, Michel. Varan: um mundo visível. Belo Horizonte: Balafon, 2016.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005.
_____________. Modalidades documentales de representación. In: TORCHIA, Edgar Soberón (Org.). 33 ensaios de cine. Havana: Ediciones Caribe, 2008.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal…o que é mesmo documentário? São Paulo: editora Senac São Paulo, 2008.
RENOV, Michael. Investigando o sujeito: uma introdução. In: MOURÃO, Maria Dora e LABAKI, Amir (Orgs.). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.