Ficha do Proponente
Proponente
- Luís Alberto Rocha Melo (UFJF)
Minicurrículo
- Luís Alberto Rocha Melo é cineasta, pesquisador e professor do Curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Artes, Cultura e Linguagens do Instituto de Artes e Design da UFJF. Mestre e doutor em Comunicação pela UFF. Dirigiu, entre outros trabalhos, os longas “Um homem e seu pecado” (2016), “Nenhuma fórmula para a contemporânea visão do mundo” (2012) e “Legião estrangeira” (2011); o curta “Que cavação é essa?” (2008); e o média documental “O Galante rei da Boca” (2004).
Ficha do Trabalho
Título
- La Dama de las Camelias, Carnaval Atlântida e a ilusão industrialista
Seminário
- Cinema e América Latina: debates estético-historiográficos e culturais
Resumo
- Esta comunicação propõe uma análise comparativa entre “La Dama de las Camelias” (Chile, dir.: José Bohr/prod.: Chile Films, 1947) e “Carnaval Atlântida” (Brasil, José Carlos Burle/prod.: Atlântida, 1953). Nossa hipótese é a de que esses dois filmes, embora pertencentes a contextos muito diversos, representaram em seus respectivos países esforços semelhantes de participação no debate cinematográfico dos anos 1940-50. À luz da análise comparada, é nítida a percepção de que na chanchada carnavalesca de José Carlos Burle, os conflitos se dão quase que exclusivamente no plano das ideias. Os personagens discutem propostas de linguagem, fórmulas de entretenimento: o debate gira em torno da modernização de antigas e superadas concepções de espetáculo cinematográfico. Em “La Dama de las Camelias”, as principais dificuldades enfrentadas são de ordem econômico-profissional: o que está em jogo é a ameaça concreta da estagnação de um modelo de produção.
Resumo expandido
- A presente proposta decorre de uma investigação em desenvolvimento, realizada pelo Grupo de Pesquisa Historiografia Audiovisual, constituído por professores, pesquisadores e estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade Federal de São Carlos. A pesquisa foi iniciada em 2014 e conta com o financiamento do CNPq e da Fapemig.
Propomos aqui uma análise comparativa entre “La Dama de las Camelias” (Chile, dir.: José Bohr/prod.: Chile Films, 1947) e “Carnaval Atlântida” (Brasil, José Carlos Burle/prod.: Atlântida, 1953). Em termos teóricos e metodológicos, a proposta busca dialogar com a revisão historiográfica atualmente em curso, tanto no Chile quanto no Brasil, acerca das cinematografias anteriores à década de 1960, frequentemente pouco estudadas ou mesmo tornadas “invisíveis”. Nossa hipótese é a de que “La Dama de las Camelias” e “Carnaval Atlântida”, embora pertencentes a contextos muito diversos, representaram em seus respectivos países esforços semelhantes de participação no debate cinematográfico dos anos 1940-50.
Criada em 1942, a Chile Films era uma empresa de economia mista ligada à estatal CORFO (Corporación de Fomento de la Producción), órgão por sua vez implantado em 1939 e subordinado ao Ministério da Fazenda. Após enfrentar diversas crises e reformulações em seu estatuto, a Chile Films cerrou suas portas em 1949, passando a alugar seus palcos de filmagem. A Atlântida foi fundada em 1941 através da venda de ações populares e a incorporação de 23 sócios, incluindo cineastas, jornalistas e o empresário Paulo Burle, ligado ao comércio, à indústria e à imprensa. Em 1947, o exibidor e distribuidor Luiz Severiano Ribeiro Júnior tornou-se o acionista majoritário da Atlântida, que produziu de forma ininterrupta até 1963.
Em que pesem as distâncias e evidentes diferenças que singularizam as experiências chilena e brasileira, os dois filmes criticam abertamente determinadas ilusões industrialistas comuns aos dois países. No primeiro caso, a acusação se volta contra a própria Chile Films, empresa de economia mista ligada à estatal CORFO; já “Carnaval Atlântida” tem como alvo a contemporânea Companhia Cinematográfica Vera Cruz, fundada em 1949 por industriais pertencentes à grande burguesia de São Paulo, com inspiração no teatro europeu e no modelo do “studio system” hollywoodiano.
À luz da análise comparada, é nítida a percepção de que na chanchada carnavalesca de José Carlos Burle os conflitos se dão quase que exclusivamente no plano das ideias; os personagens discutem propostas de linguagem, fórmulas de entretenimento: o debate gira em torno da modernização de antigas e superadas concepções de espetáculo cinematográfico. Já no drama cômico-farsesco de José Bohr, as principais dificuldades enfrentadas são de ordem econômico-profissional (orçamento restrito, prazo para o fim das filmagens, falta de película sensível, ausência de trabalhadores disponíveis). O que está em jogo é a ameaça concreta da estagnação.
Por outro lado, tanto “Carnaval Atlântida” quanto “La Dama de las Camelias” se relacionam de forma bastante ambígua com a tradição do espetáculo popular e com a figura idealizada do “povo”. Em “La Dama de las Camelias”, a atriz de teatro mambembe Desideria de los Ríos é usada como recurso desesperado para “salvar” um projeto à beira da falência. A adaptação do romance clássico de Dumas se torna com ela uma comédia involuntária. O filme faz sucesso, mas Desideria é descartada logo depois. Em “Carnaval Atlântida”, quando o projeto da superprodução sobre Helena de Troia é substituído pela filmagem de um “grande musical”, o lado “popular” do espetáculo serve como contrapeso à proposta estética renovadora encampada pela Acrópole Filmes. Mas ainda que incorporados ao número final, os personagens verdadeiramente “populares” (os faxineiros interpretados por Grande Otelo e Colé) se encontram marginalizados pelo grupo que detém as condições de produção.
Bibliografia
- AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
AUTRAN, Arthur. O pensamento industrial cinematográfico brasileiro. São Paulo: Hucitec Editora, 2013.
PEIRANO, Maria Paz e GOBANTES, Catalina (Editoras). Chilefilms, el Hollywood criollo. Aproximaciones al proyecto industrial cinematográfico chileno (1942-1949). Santiago de Chile: Editorial Cuarto Propio, 2015.
SANTA CRUZ G. José M. “José Bohr y un cine ausente”. In: SANTA CRUZ G. José M. e BARRIL R. Claudia (Editores). El cine que fue: 100 años de cine chileno. Santiago de Chile: Editorial Arcis, 2011.