Trabalhos Aprovados 2016

Ficha do Proponente

Proponente

    Marina Soler Jorge (UNIFESP)

Minicurrículo

    Professora Adjunta III do Departamento de História da Arte da Unifesp. Doutora em Sociologia pela USP. É autora do livro “Cultura Popular no Cinema Brasileiro dos Anos 90” (2010) e “Lula no Documentário Brasileiro” (2011), além de artigos sobre cinema, recepção e sociologia da arte. Atualmente tem trabalhado com figurino no cinema latino-americano, séries de TV latino-americanas e o fenômeno fandom no Brasil.

Ficha do Trabalho

Título

    Magnífica 70, a censura e o cinema da Boca do Lixo

Seminário

    Cinema e América Latina: debates estético-historiográficos e culturais

Resumo

    Passados 30 anos do final da Ditadura Militar instalada no Brasil em 1985, surge um produto audiovisual que tem como objetivo explorar temática e esteticamente dois elementos da cultura brasileira que tiveram seu apogeu na década de 1970: a produção cinematográfica da Boca do Lixo e o Departamento de Censura do regime militar, responsável por zelar pela adequação moral, mas sobretudo política, dos produtos culturais nacionais ou estrangeiros. Trata-se de Magnífica 70, série televisiva brasileira que mergulha no universo do cinema comercial paulistano conhecido, na falta de termo mais preciso, como pornochanchada, bem como em suas relações com os censores responsáveis por vetos e cortes nas obras. O objetivo desta apresentação é discutir Magnífica 70 a partir dos seguintes elementos: 1) a organização narrativa da série; 2) a apropriação temática do cinema da Boca do Lixo e da censura militar; 3) as opções estéticas utilizadas para se representar estes dois universos.

Resumo expandido

    Com consultoria de Alfredo Sternheim, cineasta com uma longa carreira no cinema erótico brasileiro, Magnífica 70 procura representar de maneira bastante fiel o sistema de produção que vigorava na Rua do Triunfo, apresentando, por vezes de maneira didática, as práticas que lá regiam a fatura das obras. Da mesma forma, a série se esforça para colocar em cena o que sabemos sobre o funcionamento da censura na vigência da Ditadura Militar. O espectador encontrará na série um rol de procedimentos, do lado da produção e do lado da censura, bastante representativo das práticas e mecanismos do período. Muitas dessas práticas e mecanismos estão descritos em dois livros fundamentais para a compreensão dos temas em questão: do lado da censura o livro de Inimá Simões, Roteiro da intolerância – a censura cinematográfica no Brasil; da parte da Rua do Triunfo, o livro de Nuno César Pereira de Abreu, Boca do lixo: cinema e classes populares. Estes dois universos, a princípio separados, se imbricarão quando, em Magnífica 70, um censor decide cruzar as barreiras que os separam e se tornar cineasta, sem no entanto efetuar a metamorfose completa, ou seja, mantendo uma vida dupla não apenas por medo do sogro general mas também porque, enquanto censor, ele tem muita utilidade para a Boca do Lixo.
    Tendo como showrunner o cineasta Cláudio Torres, filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, e dirigida por ele mesmo juntamente com Carolina Jabor, Magnífica 70 estreou em 24 de maio de 2015 na HBO, sendo exibida em 13 episódios no domingo a noite em horário nobre, 21h, antes da popular série neo-medievalesca Game of Thrones.
    A produção de Magnífica 70 se insere no contexto de consolidação global da ficção seriada como produto artístico, bem feito, com direção de arte e figurinos impecáveis, cujo tema adulto permite que sejam mostrados belos corpos femininos de maneira mais ou menos inserida na estória e algumas cenas de sexo. É interessante analisar de que modo, passadas mais de quatro décadas do Golpe Militar, os temas da censura e da pornochanchada ganham uma embalagem brilhante, glamourosa e bem produzida, misturada a uma trama policial-folhetinesca. Estrelada por Simone Spoladore, Marcos Winter, Adriano Garib, Maria Luisa Mendonça (esposa de Cláudio Torres), Stepan Nercessian, Joanna Fomm e Paulo César Pereio, a série narra o envolvimento do censor Vicente, interpretado por Marcos Winter, genro de um General, com a Boca do Lixo, onde ele encontra sua vocação como diretor de cinema. Sua motivação inicial, no entanto, é erótica: Vicente apaixona-se pela atriz do filme que acabou de censurar, que por sua vez se parece muito com sua falecida cunhada de 17 anos, por quem ele nutriu um intenso desejo sexual. A ironia na escalação do elenco se dá na escolha de Paulo César Pereio, ator conhecido pelo deboche, pela crítica social, pelo ateísmo e comunismo declarados, para interpretar o General Souto, personagem autoritário, misógino e pervertido.
    Na série, a influência rodrigueana retira o peso da discussão política e a redefine no âmbito da moral, transformando em grande medida as opções políticas levadas a cabo por aqueles que detinham o poder no regime militar em falhas de caráter e perversões. A figura do General Souto, qualificado como um importante militar, de grande influência política, é emblemática nesse sentido, tendo em vista sua caracterização como um pervertido de primeira ordem, capaz de estuprar sua enteada ainda criança, bem como torturar seu genro e a própria filha com choques elétricos. Nesse sentido, a imagem do autoritarismo e da violência política afasta-se de uma abordagem audiovisual contemporânea que tenta conferir normalidade a ocupantes de funções de poder. Em Magnífica 70 a violência praticada pelas duas figuras de autoridade, o General Souto e o produtor George Larsen, está contida em cada gesto ou fala dos personagens, bem como em sua caracterização física asquerosa.

Bibliografia

    ABREU, Nuno César Pereira de. Boca do lixo: cinema e classes populares. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
    COLONNA, Vincent. L’Art des Séries Télé: Ou Comment Surpasser Les Américains. Paris: Payot & Rivages, 2010.
    GOMES, Maya Rodrigues e Lamas, Caio. “Um censor em fábula: análise a partir da série televisiva Magnífica 70, do Arquivo Miroel Silveira e da Boca do Lixo”. Anais, Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, 2015. 15 p.
    LEITE, Caroline Gomes. Ditadura em Imagem e Som. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
    LIPOVETSKY, Gilles e Serroy, Jean. A estetização do mundo – Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
    REIS JUNIOR, Antonio e Lamas, Caio Túlio Padula. “A censura ao cinema no Brasil e os percalços de Os Garotos Virgens de Ipanema”. Revista Comunicação Midiática, v. 8, n. 1, pp. 154-175, jan/abr. 2013.
    SIMÕES, Inimá, Roteiro da Intolerância – a censura cinematográfica no Brasil. São Paulo: Editora Senac, 1999.